Para que se comece a tratar o problema da habitação com mais seriedade importa desarmadilhar a ideia de que a luta de classes pode ser traduzida na oposição entre proprietário e inquilino. Para tal suceder, ter-se-ia de verificar uma maioria de proprietários a exercer a sua condição de poder enquanto exploradores, o que está longe de ser verdade na realidade do proprietariado português. Na verdade, a relação entre proprietário e inquilino, tantas vezes tratada olhos nos olhos ao longo de muitos anos, tem garantido alguma moderação nos efeitos da radicalidade dos instrumentos de mercantilização da habitação criados por sucessivos governos – que se quebra com a venda ou transferência para herdeiros.
Se se compreende que Menezes Leitão, em representação dos grandes proprietários de Lisboa, procure qualificar toda e qualquer ação legislativa como um ataque aos proprietários de modo a conseguir agregar em seu torno a enorme e socialmente diversa classe dos proprietários, importa ter presente que, do ponto de vista marxista e no atual contexto, a oposição proprietário-inquilino não faz sentido pois não corresponde de uma forma linear à de explorador-explorado, respetivamente.
O que está a suceder em Portugal é uma aceleradíssima alteração da estrutura de propriedade que faz com que pequenos proprietários-senhorios sejam forçados a vender as suas propriedades, alimentando a nuvem de circulação de capital transnacional. A propriedade só é resgatada desta nuvem, recuperando a sua função social, quando novamente detida e habitada por alguém.
Mas este processo não é infinito e tenderá, progressivamente, a não alimentar toda a gula do mercado. É nesse momento que as taxas de juro irão começar a subir. Não nos esqueçamos que temos uma parte significativa do nosso direito à habitação garantido por proprietários condicionados por um empréstimo. O progressivo aumento das taxas de juro irá esvaziando lentamente essa bolha das casas de trabalhadores cujos rendimentos não lhes permita suportar os juros, voltando a colocar mais imóveis na referida nuvem imobiliária.
Travar a entrada de imóveis nesta nuvem especulativa é fulcral. Isso faz--se colocando o Estado a exercer direitos de preferência, a preços tutelados, e com capacidade de repor imediatamente a função social do imóvel, incentivando o aumento do proprietariado de raiz não especulativa (privilegiando a titularidade comum) e procurando garantir instrumentos para que os atuais proprietários possam manter e reabilitar os seus imóveis desde que garantam a função social do bem detido.
Escreve à segunda-feira