Radioterapia. Cerca de 40% dos doentes oncológicos não fizeram o tratamento necessário

Radioterapia. Cerca de 40% dos doentes oncológicos não fizeram o tratamento necessário


Os dados são de 2012 e foram divulgados na semana passada a propósito de uma campanha de sensibilização para a importância do tratamento oncológico por radiação, que assinala o legado de Marie Curie


Em 2012, 41,2% dos doentes com cancro em Portugal não receberam a radioterapia necessária. Esta é uma das conclusões de um estudo europeu elaborado pela Sociedade Europeia de Radioterapia e Oncologia (ESTRO, sigla em inglês) no âmbito do projeto Hero. 

O estudo revela também que o número de novos casos registados em Portugal foi de 49 174, prevendo-se que até 2025 chegue aos 57 436 novos casos. Os investigadores estimam ainda que, até esse ano, a necessidade de recorrer ao tratamento por radioterapia irá aumentar até cerca de 16%. O documento indica também que Portugal ocupa a quarta pior posição entre 24 países europeus quando comparado o uso real e ideal deste tratamento.

Passados seis anos, especialistas acreditam que as conclusões ainda se adequam ao panorama atual e que é preciso combater alguns entraves para que os números melhorem. Ao i, Isabel Lobato, vice-presidente da Associação Portuguesa de Radioterapeutas, confirmou isso mesmo: “Acredito que as conclusões, atualmente, estejam aproximadas daquelas a que os investigadores chegaram [em 2012]. Sabemos que há muito trabalho a fazer na área da radioncologia e que não é de facto, ainda, uma terapêutica que chegue a todos os doentes, pelo menos, nos ‘timings ótimos’ recomendados pelas guidelines internacionais.”

 

Entraves atuais

Isabel Lobato enumerou alguns dos motivos que justificam estes números. De acordo com a especialista, a acessibilidade dos doentes até às unidades que fazem o tratamento é um dos problemas: os “transportes com condições de segurança” são um dos motivos apontados “para que os doentes não cheguem atempadamente ou nem cheguem às unidades, que muitas vezes se situam a bem mais de 100 km das suas residências”. Este fator é muitas vezes a razão pela qual os doentes não aderem a este tipo de tratamentos, considerou.

Filipe Cidade de Moura, presidente da mesma associação, corroborou a tese da especialista: “As distâncias dos centros hospitalares ou departamentos com esta valência terapêutica são determinantes para a constituição do que consideramos o maior entrave ao acesso à radioterapia.” 

Outro motivo apontado é a falta de profissionais e a sua formação. O presidente da Associação Portuguesa de Radioterapeutas diz que, no panorama atual, “existe a necessidade crescente de profissionais especializados”. Segundo o especialista estão atualmente a trabalhar cerca de 360 radioterapeutas em Portugal. Contudo, de acordo com o Programa Nacional para as Doenças Oncológicas da Direção-Geral da Saúde (DGS), nos últimos anos, Portugal e a Europa têm assistido a um aumento da incidência do cancro – com uma taxa de cerca de 3% por ano. Por essa razão, “os recursos humanos necessários (…) necessitam de um aumento de aproximadamente 30%-40% dos radioterapeutas (…) a garantir os padrões de atuação nas diversas atividades a desempenhar”, explicou. 

Além disso, o responsável fala ainda na formação dos profissionais que, apesar de estarem minimamente informados, “necessitam de estar atentos aos desenvolvimentos da última década, que trouxe maior eficácia na administração do tratamento”.

Mas como combater estes problemas? Para Isabel Lobato é importante que se conheça “epidemiologicamente a população portuguesa” relativamente a esta doença. 

“Podem também ser adotadas medidas ao nível da prevenção, nomeadamente na população mais nova, nas escolas, com divulgação de medidas de prevenção do cancro”, adiantou a especialista, acrescentando que se deve pensar numa estratégia para resolver o problema da acessibilidade aos serviços de radioterapia, bem como a informação transmitida à população e aos profissionais de saúde. Esta “pode ser a chave para que este problema se possa combater”, adiantou.

 

Necessidades futuras

Segundo o estudo, estima-se que a necessidade de recurso à radioterapia aumente cerca de 16% até 2025.

Para Filipe Cidade de Moura, esta necessidade “deve ser focada entre os profissionais da área (…) bem como no poder político”. É ainda importante que as unidades de tratamento sejam descentralizadas e que passe a haver mais investimento em programas de rastreio em todo o país, completou.

Isabel Lobato concorda com Filipe Cidade de Moura: “As nossas expetativas focam-se em chamar a atenção do poder político para a implementação das campanhas massivas em todo o território nacional (…). Esperamos que o nosso trabalho possa também ser útil no que concerne à abertura de unidades de radioterapia em locais do país menos centralizados, para que toda a população tenha acesso mais igualitário aos tratamentos.”

 

Um bom caminho

A radioterapia é uma técnica segura e minimamente invasiva que pode ser utilizada de forma isolada ou combinada com outras terapêuticas. Segundo explicou Filipe Cidade de Moura, este tipo de tratamento “permite de forma segura e efetiva, com um elevado custo-benefício – que em Portugal se encontra na ordem dos 8,6% do total de custos em saúde -, ter taxas de cura na ordem de um milhão de vidas em toda a Europa”.

Ao i, Lurdes Trigo, presidente da Associação Portuguesa de Radioterapia Oncologia, lembrou ainda que a descoberta do rádio por Marie Curie, em 1898, abriu portas a um novo tratamento do cancro: a radioterapia. “Uma centena de anos depois é reconhecido que a terapia é um dos tratamentos com melhor custo-eficácia, e com um acesso ideal a esta terapêutica podem salvar-se um milhão de vidas por ano.”