É um dos maiores eventos mundiais que se realizam de quatro em quatro anos, mas há cada vez menos países disponíveis para serem o palco do evento. Os Jogos Olímpicos de Inverno de 2026 perderam ontem mais um candidato à organização: a cidade canadiana de Calgary. Já há dois meses, também o governo italiano anunciou que a candidatura de Milão estava morta. “A proposta não tem o apoio do governo, então morre aqui”, declarou o ministro do Desporto italiano, Giancarlo Giorgetti, ao parlamento. Assim, de momento, Estocolmo, na Suécia, é a única cidade na corrida para receber os Jogos desse ano. E este é um dos resultados do avolumar de custos do evento.
A saída de Calgary foi um dos mais duros golpes para os Jogos Olímpicos de Inverno. Não apenas por terem abandonado a candidatura, mas pela forma como o fizeram: em referendo. O campo do não obteve 56,4%, enquanto o do sim se ficou por 43,6% dos votos. Mais de 300 mil pessoas (a população é superior a um milhão) foram às urnas expressar a sua vontade e optaram por rejeitar um evento que tem como objetivo unir os povos do mundo em torno do desporto. No entanto, há senãos – e os habitantes da cidade canadiana tiveram-nos em conta.
Há 30 anos, em 1988, Calgary recebeu os Jogos, mas as infraestruturas construídas na altura teriam agora de ser remodeladas e alargadas para receber as várias centenas de atletas. As alterações iriam custar dois mil dólares (1777 euros) a cada agregado familiar da cidade, segundo as contas da Federação dos Contribuintes Canadianos, isto sem ter em conta as derrapagens orçamentais ou juros a entidades financeiras. No total, de acordo com a proposta inicial das autoridades canadianas, o governo iria investir 1,452 mil milhões, o governo estadual de Alberta 700 milhões, Calgary 390 milhões e a cidade de Canmore três milhões. Já a previsão do investimento privado seria na ordem de 2,875 mil milhões – atente-se que o investimento privado tem tendência para ficar abaixo do previsto, obrigando o erário público a mais sacrifícios. No total, os Jogos custariam, sem derrapagens, 5,11 mil milhões.
Os custos do evento têm subido sem parar desde a década de 1960, segundo um estudo da Universidade de Oxford sobre os Jogos de Inverno de 2016, em Londres. Em 1988, por exemplo, Calgary gastou no total 829 milhões, mas os Jogos em Sochi, na Rússia, em 2014, ascenderam aos 51 mil milhões de dólares – tornando-se os mais caros de sempre. Os de Pyeongchang, na Coreia do Sul, custaram 16,28 mil milhões. A Rússia fez dos Jogos, à semelhança da China em 2008, uma afirmação política. E foi bem-sucedida mas, para quem não tem esse objetivo, os Jogos tornam-se um evento demasiado oneroso, principalmente quando entra na equação o investimento na saúde ou na educação.
“Os custos superam em muito os meios privados para arrecadar dinheiro para os Jogos Olímpicos e, portanto, as verbas necessárias têm de vir do público. As pessoas ficam preocupadas com isso, com o colocar o dinheiro dos impostos no que alguns veem como uma festa de 16 dias”, explicou Robert Barney, professor da Universidade Western e especialista na história dos Jogos Olímpicos, à Global News. “Para se ganhar as candidaturas, os anfitriões têm de prometer imenso”, acrescentou Robert VanWynsberghe, professor e especialista em sustentabilidade da Universidade da Colúmbia Britânica. Se nos cadernos de encargo já se promete mais do que se pode, na prática, os zeros costumam aumentar.
Com vários casos de infraestruturas olímpicas abandonadas depois do evento, as populações, quando lhes é permitido dar a sua opinião, têm recusado crescentemente a organização dos Jogos. “É a combinação com o custo. Acho que se tornou demasiado oneroso. E agora, por perguntarem aos cidadãos o que pensam, estamos a ver um grande número de cidades dizerem: ‘sabem que perguntámos às pessoas da comunidade e disseram que não’”, disse VanWynsberghe.
Os custos têm sido tão elevados que Grenoble, em França, só conseguiu pagar o investimento nos Jogos de Inverno de 1968 no início da década de 90. Situação que está longe de ser exceção: Montreal, no Canadá, só conseguiu pagar o investimento dos Jogos de 1976 em 2006, 30 anos depois. E não se sabe quanto tempo os russos ficarão a pagar os jogos mais caros de sempre, cuja proposta original, em 2007, mostrava um orçamento de 8,5 mil milhões de dólares.
A juntar aos vários zeros incluídos nos orçamentos finais estão as imagens de infraestruturas abandonadas e que começaram a deteriorar-se nos anos imediatamente a seguir aos Jogos, tanto de Inverno como de Verão. A pista de esqui dos Jogos de 1956, em Cortina d’Ampezzo, em Itália, foi abandonada, e as cidades olímpicas de Turim (2006) e Atenas (2004) foram votadas ao abandono. Hoje, a primeira está ocupada por mais de mil imigrantes e refugiados sem alternativa de habitação. O estádio de hóquei de Atlanta, que recebeu a competição em 1996, é outro dos exemplos mais conhecidos, estando hoje completamente degradado e vandalizado. No outro lado do mundo, em Pequim, na China, o campo artificial de caiaque, um desporto muito pouco praticado no país, assim como o campo de basebol, estão ao abandono desde os Jogos de 2008. Os exemplos sucedem-se e estão à vista do mundo, mas principalmente de quem habita estas cidades.