Superliga europeia. Um fantasma que paira sobre a omnipotente UEFA

Superliga europeia. Um fantasma que paira sobre a omnipotente UEFA


Há muitos anos que a ideia de uma competição privada, só com os maiores (e mais ricos) clubes da Europa, é alimentada nos bastidores. Agora está a ganhar forma e já ensombra o organismo que rege o futebol europeu – e também a FIFA


Superliga europeia. Há muito que se fala dela; durante muito tempo, era um assunto quase tabu, abordado nos corredores, meio às escondidas, por um ou outro dirigente mais enfadado com o monopólio da UEFA – em 1998, uma empresa italiana chamada Media Partners já avançava com o desejo de realizar uma prova à revelia da UEFA. O plano não teve seguimento, mas antecedeu o alargamento da Liga dos Campeões de 24 para 32 equipas, então com duas fases de grupos.

Nos anos seguintes, o assunto voltou à baila, quase sempre associado ao G-14, a organização de clubes europeus que integrava os principais representantes das maiores ligas e onde se inseria o FC Porto. Em 2009, um ano depois de o grupo se extinguir, Florentino Pérez, já presidente do Real Madrid, assumia publicamente que a ideia interessava aos merengues.

Em 2016, perante a extraordinária campanha do Leicester na Premier League – que terminaria mesmo com a inacreditável conquista da prova –, o tema voltou à agenda mediática, agora com maior insistência. Charlie Stillitano, o empresário norte-americano que organiza o torneio de pré-época International Champions Cup, terá estado reunido com vários dos maiores clubes ingleses e explanado o conceito que queria exportar para a Europa: uma liga fechada, composta pelos clubes com maior potencial para gerar receitas. Nesse discurso, excluía precisamente o Leicester, apesar da belíssima campanha interna que os foxes vinham a realizar.

UEFA promete não ceder a chantagens Daí para cá, o tema foi ganhando mais e mais adeptos nas estruturas diretivas de alguns dos maiores clubes europeus e agora parece estar a ganhar cada vez mais consistência. As últimas reações de responsáveis da UEFA – e também da FIFA – a propósito do assunto dizem tudo: a Superliga europeia já vai começando realmente a assombrar os órgãos que regulam o futebol europeu (e mundial). Há uma semana, Gianni Infantino, líder da FIFA, admitia a possibilidade de banir de todas as provas com selo FIFA (com o Mundial à cabeça, mas também os Europeus e os próprios campeonatos nacionais) os futebolistas que aceitem jogar nessa competição. Obviamente, caso esta venha a ser criada, ficará fora da égide do organismo que rege o futebol mundial.

Alasdair Bell, diretor jurídico da FIFA e que pertenceu muito tempo aos quadros da UEFA, partilhou também deste aviso, garantindo que um jogador que aceite competir na Superliga europeia não poderá voltar a jogar numa competição da FIFA. “Se sais, sais definitivamente. Não podes ficar com um pé dentro e outro fora”, realçou. No ano passado, Aleksander Ceferin, presidente da UEFA, descartava a criação dessa “liga privada” e garantia não ter a intenção de ceder a qualquer tipo de chantagem. “A certos clubes, digo em voz baixa, mas com calma, firmeza e determinação: não haverá uma liga fechada. Não se insere nos nossos ideais, nem nos nossos valores. Não vou ceder à chantagem de algumas ligas, que pensam que podem manipular as ligas mais pequenas e ditar as suas leis às federações, porque se sentem poderosas pelo dinheiro que geram. Significaria uma guerra contra a UEFA. Enquanto eu lá estiver, não vai haver nenhuma Superliga. Vai tudo continuar na mesma: formas de acesso e formato. O apuramento para a Liga dos Campeões tem de ser um sonho para todos, não pode haver uma competição fechada”, afirmava o dirigente esloveno à margem do Football Talks, conjunto de conferências que aconteceu no Estoril em março do ano passado.

Poucos dias depois, a UEFA e a Associação de Clubes Europeus (EAC) chegavam a acordo para a reforma das competições europeias de clubes, colocando (supostamente) termo ao projeto de criação de uma Superliga. “Estamos felizes por permanecer sob a égide da UEFA e em participar na reforma das competições, que é um desejo nosso. Penso que estamos completamente de acordo no que diz respeito à reformulação da Liga dos Campeões e da Liga Europa para o ciclo 2018-2021. Como sequência deste acordo, não há nenhuma discussão sobre o tema Superliga”, referiu então Karl-Heinz Rummenigge, presidente da EAC e também do Bayern Munique.

Champions ao fim de semana Vários meses se passaram, e a verdade é que o assunto continuou a assombrar a UEFA. A mais recente conjetura da competição, que seria privada e reuniria os maiores (e mais ricos) clubes de futebol do continente, surgiu de um grupo de 11 clubes das cinco principais ligas – Espanha, Inglaterra, Alemanha, Itália e França –, aos quais se juntariam outras cinco equipas desses países, num total de 16 equipas. A prova teria início já em 2021, atuando como substituta da Liga dos Campeões e fugindo ao controlo da UEFA.

Desde 2016, várias foram as mudanças introduzidas na Liga dos Campeões, nomeadamente o reforço dos prémios monetários e as regras de entrada, na tentativa de tornar a prova mais apetecível para os clubes de elite e, claro, impedir o surgimento de ameaças separatistas. Por essa razão, esta época houve já quatro equipas de cada um dos quatro primeiros classificados do ranking UEFA com entrada direta na fase de grupos da prova – ou seja, a ocupar desde logo metade dos lugares existentes.

Nos últimos tempos, porém, a ameaça da Superliga continuou a crescer, levando UEFA e FIFA a pensar em novas formas de impedir o surgimento dessa liga privada. Gianni Infantino já planeou a criação de um Campeonato do Mundo de clubes com 24 equipas, 12 delas europeias, e estará agora a contemplar a possibilidade de colocar os jogos da Liga dos Campeões ao fim de semana, de forma a impedir que os principais clubes tenham a possibilidade de participar nessa Superliga, que seria jogada também ao sábado e ao domingo.

Estas medidas serão estudadas na reunião da UEFA agendada para o próximo dia 3 de dezembro, em cuja ordem de trabalhos estará também a criação de uma terceira competição europeia e a utilização do VAR, o sistema de videoárbitro. Em março do próximo ano, no Conselho da FIFA que se realizará em Miami, nos Estados Unidos, estes e outros temas voltarão a estar em cima da mesa – tal como o alargamento dos Mundiais de 32 para 48 seleções, que estava inicialmente agendado para 2026 mas que pode até já ter lugar em 2022, no Catar. Mais um tema onde as intenções do organismo chocam de frente com as dos grandes clubes europeus. “A FIFA sabe que não estamos satisfeitos com o aumento do número de participantes no Mundial. A FIFA tem de aceitar que está a usar os nossos jogadores. O maior problema que enfrentamos no futebol são os assuntos relativos às seleções, porque os jogos estão sempre a aumentar. Chegou a altura de as autoridades pensarem mais no futebol e não apenas em finanças ou política”, dizia Rummenigge em 2017. Entretanto, até já surgiu a Liga das Nações…