1. A política mudou porque o Bloco entrou na geringonça e Passos não foi mais longe porque houve o CDS. À esquerda e à direita conta-se a mesma história da carochinha em tempos diferentes. A convenção do Bloco foi isso e apenas isso: uma liturgia de autoelogios para que os portugueses mantenham o voto em Catarina e Mariana e, se possível, o aumentem para as levar não só à coligação parlamentar, mas até ao patamar da governação, como antes aconteceu ao CDS de Paulo Portas. No governo, é um descanso.
É bem possível que a coisa corra bem, sobretudo pela forma camuflada como o Bloco consegue, qual camaleão, disfarçar-se para não ser detetado, pois a realidade manda dizer que o Bloco foi também o braço ativo de uma política inteligente de austeridade encapotada que o PS de Costa e Centeno soube pôr em prática, aproveitando uma conjuntura económica favorável.
Em termos de resultados concretos, o Bloco foi pouco mais que zero: nas pensões falhou e nem o fator de sustentabilidade que tinha prometido eliminar concretizou; nos abusos da banca falhou; no Serviço Nacional de Saúde não conseguiu acabar com a vergonha do São João; nos impostos não evitou a subida em flecha e até criou alguns; nos transportes públicos não mudou nada, o mesmo se passando na justiça. No entretanto, os seus dirigentes tornaram-se uma espécie de aristocracia da extrema-esquerda que dita a nova moral e bons costumes, mas no interior dela não faltaram contradições e imoralidades como as de Ricardo Robles.
Por muito que gritem, reclamem e tenham belas tiradas literárias e cénicas, os bloquistas foram objetivamente um instrumento do “costismo”, e não um fiel da balança ou um contrapoder. Essa tarefa ficou mais a cargo do PCP, que resistiu melhor ao encanto do poder, pois há ali uma geração mais velha que não deixa a mais nova cair na canção do bandido e do conforto.
Catarina e os seus pares estão hoje à espera do transporte (seja uber, táxi, elétrico ou autocarro) que os leve até à Gomes Teixeira, sede do poder e dos arranjos políticos ao nível do governo.
Tudo o que passaram a fazer circunscreve-se meramente ao mendigar de votos para, supostamente, evitar que Costa tenha uma maioria absoluta e que os bloquistas consigam assim ir para o governo.
No entanto, é duvidoso que António Costa pense sequer em qualquer hipótese de coligação nesta altura. Frio e calculista como é, o mais natural é que espere pela noite das eleições para decidir o seu caminho. Bloco no governo é coisa que, realmente, só em última instância o líder do PS aceitaria, embora a sede de poder com que Catarina e Mariana se apresentam não devesse constituir problema de maior para um negociador tão refinado como Costa. Mas uma coisa é uma coligação parlamentar e outra é a governação do país e a reação do PS, de Marcelo e das alavancas económicas geradoras de riqueza.
Num certo sentido, Costa está como Rio – tem de aguardar para ver a quantas anda –, enquanto Catarina e Mariana estão como o CDS de Assunção Cristas. Por isso atuam da mesma forma, numa luta comum em que gritam o mais que podem para conseguir os seus intentos.
2. Segundo reza a história, a recente Web Summit foi mais um sucesso brutal que os nossos impostos suportaram alegremente. Houve convívio, festas, negócios, greves e outras coisas que não vêm para o caso. Mas o que vem é a circunstância de grande parte do trabalho de organização ser assegurado por voluntários, uma nova espécie de explorados que ainda por cima se orgulham de o ser e acham que esse tipo de abuso é uma oportunidade. Sob a capa do voluntariado, nas summits e em muitos sítios, há hoje verdadeiramente trabalho clandestino. Faltava esta moda modernaça e vanguardista de exploração. Tudo nas barbas das autoridades do trabalho, tão lestas a multar quem contrata um tipo para vender couratos numa rulote como em fechar os olhos ao que é rich and beautiful. Um dia, talvez apareça um MeToo destes casos.
3. O alojamento local é hoje alvo de sistemáticos ataques por, alegadamente, ser um negócio que impossibilita um mercado de arrendamento que, na verdade, nunca existiu. A campanha obedece aos interesses da hotelaria clássica e de grupos de construção que querem chamar a si esse segmento. É apenas isso que está em causa. Os pequenos aforradores tiraram o dinheiro dos bancos, investiram e mudaram a cara à cidade. Agora que o fizeram, há espaço para interesses maiores e mais fortes, uma vez que Lisboa já é uma cidade turisticamente incontornável e que os hotéis e hostels nascem como cogumelos.
4. Há uma moda antituristas que se multiplica sobretudo na envaidecida classe média. Que são muitos! Que incomodam! Que, afinal, não trazem assim tanto dinheiro! Quem se queixa agora era normalmente quem, há uns anos, lamentava o facto de as baixas do Porto e de Lisboa estarem ao abandono. Como o governo e a Câmara de Lisboa seguem esta bitola de raciocínio, talvez seja sensato abandonar de vez a ideia de construir um aeroporto novo ou complementar em Lisboa e assim limitar o número de turistas. Garantia-se o descanso de uns quantos, não se via por cá tanta estrangeirada e poupávamos uns milhares de milhões no aeroporto, sem causar danos ambientais irreversíveis. E os que perdessem empregos, pois que emigrassem, como há uns anos se receitou…
Jornalista