Passámos rapidamente do outono soalheiro ao outono cinzento e agoirento. No final de Outubro houve eleições na Alemanha e no Brasil. Na Alemanha, conhecidos os resultados no estado federado de Hesse, fechou-se o cerco da extrema-direita ao periclitante governo de Angela Merkel. Se a CDU, partido de Merkel, acabou por ganhar as eleições, perdeu tantos votos – obteve o pior resultado das últimas décadas – que deixou caminho aberto para a entrada do partido de extrema-direita, AfD, no parlamento regional de Hesse. Depois de ter entrado no Parlamento federal, a AfD foi sucessivamente entrando, com maior ou menor estrondo, nos parlamentos regionais, e este era o último que lhe faltava para fechar o cerco. Logo a seguir, Merkel anunciava que vai deixar a liderança da CDU e não se recandidatará à chancelaria alemã. Fim de ciclo. O que virá depois? A rejeição de imigrantes, de refugiados, fica à solta? E então uma vontade cresce…
No Brasil, e como já era esperado, Jair Bolsonaro foi eleito Presidente. Terá sido mais o ódio ao PT de Lula da Silva do que a crença nas ideias do homem que o levaram à vitória. O país ficou de tal forma esgarçado, a onda de intolerância que assolou os brasileiros é tal que bastaria para tornar o futuro incerto. Resta esperar. Entretanto, a raiva, o ódio e o medo andam à deriva. E então uma vontade cresce…
Ora, como se não bastasse, Novembro entrou à patada: as eleições intercalares americanas não cumpriram o sonho acalentado por muitos e em muitas partes. Se os Democratas recuperaram a Câmara dos Representantes, ou Câmara Baixa, o Senado, ou Câmara Alta, mantém, embora por pouco, a maioria Republicana. Donde, estando o Congresso – órgão bicameral composto pela Câmara dos Representantes e pelo Senado – assim dividido, e sendo por excelência o centro do poder legislativo, fácil é antever tempos tumultuosos: Donald Trump não vai poder continuar a reinar mas, conhecendo-se-lhe a estirpe, vai infernizar a vida de muita gente, dentro e fora dos Estados Unidos. Muito provavelmente, arranjando novos bodos expiatórios e acirrando ainda mais os sentimentos de racismo, xenofobia, medo… dando alento à já inexorável divisão em que o país está mergulhado. E então, uma vontade cresce…
Vontade acesa de ir olhar o mar. Se o dia é de cinza, o mar é de chumbo, irado, inconformado. Por muito enublados que sejam estes tempos, o mar nos desaconselha a rendição, o desalento: bate fragorosamente nas rochas, eleva-se em catadupas de espuma, branca, decidida. Não se acomoda nem esmorece. Rebela-se. Assim se rebelem todos, e em toda a parte, os amantes da liberdade de pensamento, da sã convivência, do mundialismo, da democracia plena e justa. Da Humanidade. Não pode o mundo livre soçobrar perante a ameaça dos autoritarismos, dos populismos, do racismo, de todos os “ismos” que atentam contra os regimes democráticos ocidentais tal como os conhecemos e que tanto sacrifício e luta custaram. Guerra aos intolerantes clamando tolerância! Força aos resistentes contra o medo, a raiva e a discórdia! Que os democratas se unam, independentemente do credo, da nação, da raça ou da cor. Alma até Almeida! No Pasarán!
(Nota: o autor deste texto não segue as regras do novo acordo ortográfico.)
Gestora, Escreve quinzenalmente