A mobilidade como um serviço: melhor qualidade e também mais equidade

A mobilidade como um serviço: melhor qualidade e também mais equidade


Hoje, o enfoque tem de ser no acesso como fator de qualidade de vida e de competitividadenas nossas cidades. A mobilidade é o instrumento, mas o objetivo é melhorar a acessibilidade


A mobilidade como um serviço, ou o jargão MaaS (mobility as a service) como é mais conhecido, veio introduzir mudanças muito significativas na forma como se aborda a mobilidade. Há mais de 20 anos que a Comissão Europeia lançou a ideia de que o cidadão deve estar no centro das decisões sobre mobilidade mas, de facto, continuaram a existir inúmeras barreiras à tão almejada conectividade e transição suave entre modos de transporte. O cidadão, utilizador regular ou não, quer deslocar-se entre locais onde necessita de exercer as suas atividades profissionais e sociais. Para isso, precisa que o sistema de mobilidade lhe ofereça integração física (nas estações e pontos de acesso e egresso dos veículos); integração lógica, isto é, informação disponível e customizada sobre quais as possibilidades de serviços que tem para, a partir do ponto onde está, atingir o seu destino; e também articulação tarifária, para poder utilizar vários serviços com o mesmo título de transporte. Estes níveis de integração são atributos básicos da qualidade de serviço desejável. Não obstante os muitos esforços, que os operadores de transportes públicos têm empreendido, para melhorar os serviços prestados, nem estes níveis de integração foram conseguidos, nem todos os cidadãos têm acesso aos mesmos níveis de serviço, pois as redes de transportes não cobrem os territórios com equidade. Aos olhos do cidadão, os serviços de transporte público coletivo (autocarros, metro, comboio, barco) e individual (táxi) apresentaram-se fragmentados e de entendimento complexo, daí que a opção pelo uso do automóvel privado se tenha consolidado de forma crescente, pela facilidade de uso, conforto, etc.

É neste quadro que surge um novo agente no sistema de mobilidade urbana, o fornecedor de serviços de mobilidade que agrega e articula toda a informação dos serviços disponíveis, oferecendo ao cidadão uma resposta simples à pergunta fundamental: “Como vou de onde estou para o sítio X?” Este agente, que não é um operador de transportes, mas sim um operador de informação, oferece ao cidadão um plano de viagem detalhado, explicando quais e como vão ser usados os diferentes serviços para o conduzir ao destino final. Esta informação melhora significativamente a qualidade percebida pelo cidadão e também a sua perceção de equidade, já que todos podem ter acesso à mesma informação customizada, mesmo quando não têm acesso direto aos serviços de mobilidade.

É indiscutível que a digitalização e a chegada da quarta revolução industrial trazem novas oportunidades para as cidades e para os operadores de transportes públicos. Mas para tirar partido deste momento é indispensável alterarmos o paradigma que rege as políticas de mobilidade urbana no país. Hoje, o enfoque tem de ser no acesso como fator de qualidade de vida e competitividade nas nossas cidades. A mobilidade é o instrumento, mas o objetivo é melhorar a acessibilidade. Mudar o paradigma implica reorganizar a mobilidade acomodando as mudanças radicais que o mercado e a indústria trazem (exemplo: Uber, Cabify, veículos partilhados, etc.), mas centrando o sistema no transporte coletivo, que passará a ser um elemento de valor numa cadeia de mobilidade que inclui soluções de mobilidade a pedido e informação customizada em tempo real.

A mobilidade como serviço (MaaS) é a integração de várias formas de serviços de transporte num único serviço de mobilidade, a pedido do utilizador, para quem a oferta de um operador MaaS deve corresponder à melhor proposta de valor, atendendo às suas necessidades de mobilidade e solucionando os inconvenientes de viagens individuais. Os operadores MaaS já existem e estão disponíveis para entrar nos nossos mercados. Mas não chega!

Há um papel indispensável a desempenhar pelas autoridades (organizadoras e reguladoras), que devem assegurar enquadramentos de sustentabilidade para a entrada destes novos modelos de negócio e das suas propostas de valor, na relação entre estes agentes e os operadores convencionais, na garantia que tem de ser dada ao cidadão de uma monitorização adequada e rigorosa da qualidade dos serviços, e na regulação do acesso à informação, que é o ingrediente-base destes novos serviços.

A chegada da digitalização aos transportes abre todo um leque de novas oportunidades para os sistemas de mobilidade, mas é necessário reconhecer e capacitar todas as entidades envolvidas de forma sistemática, para que as novas propostas de valor possam beneficiar todo o ecossistema da mobilidade urbana.

 

Professora e investigadora em Transportes, Departamento de Engenharia Civil, Arquitetura e Georrecursos do Instituto Superior Técnico