Crónica sobre o direito ao disparate livre e a pintar as unhas


Isabel Moreira pugna por uma moral única. Na sua cruzada estupidificante, acusa de fascismo tudo o que não quadra com a sua bitola


Deu o “Expresso” online devida publicidade a um texto publicado a 3/11, no blogue “Contra-semântica”, com o título de “Imprensa Antidemocrática”, escrito pela deputada Isabel Moreira.

É difícil de conceber, para quem não tenha grande simpatia por morais uniformes e pensamentos únicos, que espécie de tresloucada reflexão e que caótica organização de conceitos constitucionais levam uma deputada da Assembleia da República, alegadamente licenciada em Direito e alegadamente democrata, a defender tamanha aberração totalitária.
Como é difícil, ou se calhar não, perceber como é que esta pérola do pensamento totalitário, censório e intolerante cruzou a blogosfera sem os devidos e merecidos (muitos ou, pelo menos, suficientes) comentários.

Segundo Isabel Moreira – parte em que estaremos de acordo –, “(…) a liberdade de imprensa é uma garantia constitucional da livre formação da opinião pública num Estado constitucional democrático. Ou seja: não há democracia sem liberdade de imprensa. Não há, concretamente, democracia participativa, esclarecida, não condicionada, sem liberdade de imprensa”.

Chegados aqui, e enunciado este princípio basilar de qualquer democracia liberal, já será mais difícil seguir a lógica da ilustre pensadora e mais difícil ainda será encontrar-lhe, substantivamente, qualquer concordância entre o que vai escrito e o trecho do texto que acima transcrevemos.

É que, para Isabel Moreira, aparentemente, as boas ideias e as boas notícias não devem afrontar alguns interesses instalados, nomeadamente, e porventura sem excluir, os seus. 

Como advogado que esteve em muitas batalhas pela liberdade de imprensa ao lado dos jornais – inclusivamente e alguns daqueles contra quem Isabel Moreira se insurge, mais que invocar a existência dos tais patrimónios colectivos, e das conquistas democráticas, e dos muitos costumados chavões de quem zurze os direitos que a protegem, sem nunca ter lutado por eles –, tive a oportunidade de, de tempos a tempos, levar à sindicância dos tribunais, nas várias instâncias, a conformidade legal, constitucional e mesmo internacional, à luz da CEDH, da forma como o jornalismo português é feito.

Na esmagadora maioria dos casos, e contra a opinião um bocado fanatizada de Isabel Moreira, os ataques aos políticos, as notícias e seus conteúdos, mais ou menos sensacionalistas e mais ou menos incómodos, foram julgados, não pelo tribunal dos costumes de que Moreira e seus amigos são os costumados doutrinadores e progressistas pensadores, mas por juízes de várias instâncias, os quais, de uma forma geral (onde haverá certamente excepções), os julgaram conformes com a tal liberdade de imprensa e com o direito a informar e a ser informado que a CRP e a CEDH acolhem.

Ao contrário do que Isabel Moreira, que aparentemente convive bem com o teor editorial e politicamente alinhado do esquerda.net ou do “Avante!”, não refere – talvez porque não saiba ou ainda não tenha percebido –, a escolha do estilo e do estatuto editorial está assumido em todas e cada uma das publicações periódicas e, felizmente, não tem de ser escolhido por si.

É evidente que Isabel Moreira acha que só a sua opinião, imagine-se, é democrática, séria e independente.
Ignora, claro está, o papel absolutamente decisivo que jornais como o “Correio da Manhã”, que tão bem refere, o longínquo “O Independente” ou o mais recente “Sol” tiveram na exposição de tantos casos absolutamente fundamentais para os dias da nossa democracia.

Como entende ignorar, porque lhe convém, que sempre que o interesse público o justifique, como tem julgado incessantemente em sentido uníssono o TEDH, direitos vários em colisão com o da liberdade de imprensa e de informar e ser informado têm afastado outros direitos individuais, e tem sido julgada justificada a actuação desconforme dos jornalistas nesses casos.

Isabel Moreira pugna por uma moral única e pela sua concepção, também monolítica, de recusa de diversidades divergentes da sua ideia do que deve ser o Estado de direito.

No entanto, por cá, contra a sua cruzada estupidificante que, como de costume, acusa de fascismo tudo o que não quadra com a sua bitola, é importante que se reafirme que os tribunais em Portugal, contrariamente à doutrinadora Moreira e sobre a actividade dos jornais, entendem, e bem (entre outros leia-se acórdão do STJ de 13/7/2017, in www.dgsi.pt) que “(…) as exigências de uma sociedade democrática e aberta não se coadunam com a imposição de restrições, formais e rígidas, ao exercício da actividade de escrutínio e crítica a temas de manifesta relevância e interesse público, de modo a tornar lícitos apenas os juízos críticos quando formulados com elevação, de forma correcta e estritamente objectiva – não podendo erigir-se, neste âmbito, impedimentos ou discriminações ao modo como é exercida a liberdade de expressão e opinião que poderiam funcionar, em última análise, como formas atípicas ou subliminares de censura, vedadas pelo art.o 37.o da Lei Fundamental”. 

Assim, uma certeza nos fica relativamente a direitos, liberdades e garantias constitucionais e pluralismo: é a de que a deputada Isabel Moreira é fortíssima, como as imagens dos média documentaram ex abundantia, em assuntos de manicure. 

Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt 
Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990


Crónica sobre o direito ao disparate livre e a pintar as unhas


Isabel Moreira pugna por uma moral única. Na sua cruzada estupidificante, acusa de fascismo tudo o que não quadra com a sua bitola


Deu o “Expresso” online devida publicidade a um texto publicado a 3/11, no blogue “Contra-semântica”, com o título de “Imprensa Antidemocrática”, escrito pela deputada Isabel Moreira.

É difícil de conceber, para quem não tenha grande simpatia por morais uniformes e pensamentos únicos, que espécie de tresloucada reflexão e que caótica organização de conceitos constitucionais levam uma deputada da Assembleia da República, alegadamente licenciada em Direito e alegadamente democrata, a defender tamanha aberração totalitária.
Como é difícil, ou se calhar não, perceber como é que esta pérola do pensamento totalitário, censório e intolerante cruzou a blogosfera sem os devidos e merecidos (muitos ou, pelo menos, suficientes) comentários.

Segundo Isabel Moreira – parte em que estaremos de acordo –, “(…) a liberdade de imprensa é uma garantia constitucional da livre formação da opinião pública num Estado constitucional democrático. Ou seja: não há democracia sem liberdade de imprensa. Não há, concretamente, democracia participativa, esclarecida, não condicionada, sem liberdade de imprensa”.

Chegados aqui, e enunciado este princípio basilar de qualquer democracia liberal, já será mais difícil seguir a lógica da ilustre pensadora e mais difícil ainda será encontrar-lhe, substantivamente, qualquer concordância entre o que vai escrito e o trecho do texto que acima transcrevemos.

É que, para Isabel Moreira, aparentemente, as boas ideias e as boas notícias não devem afrontar alguns interesses instalados, nomeadamente, e porventura sem excluir, os seus. 

Como advogado que esteve em muitas batalhas pela liberdade de imprensa ao lado dos jornais – inclusivamente e alguns daqueles contra quem Isabel Moreira se insurge, mais que invocar a existência dos tais patrimónios colectivos, e das conquistas democráticas, e dos muitos costumados chavões de quem zurze os direitos que a protegem, sem nunca ter lutado por eles –, tive a oportunidade de, de tempos a tempos, levar à sindicância dos tribunais, nas várias instâncias, a conformidade legal, constitucional e mesmo internacional, à luz da CEDH, da forma como o jornalismo português é feito.

Na esmagadora maioria dos casos, e contra a opinião um bocado fanatizada de Isabel Moreira, os ataques aos políticos, as notícias e seus conteúdos, mais ou menos sensacionalistas e mais ou menos incómodos, foram julgados, não pelo tribunal dos costumes de que Moreira e seus amigos são os costumados doutrinadores e progressistas pensadores, mas por juízes de várias instâncias, os quais, de uma forma geral (onde haverá certamente excepções), os julgaram conformes com a tal liberdade de imprensa e com o direito a informar e a ser informado que a CRP e a CEDH acolhem.

Ao contrário do que Isabel Moreira, que aparentemente convive bem com o teor editorial e politicamente alinhado do esquerda.net ou do “Avante!”, não refere – talvez porque não saiba ou ainda não tenha percebido –, a escolha do estilo e do estatuto editorial está assumido em todas e cada uma das publicações periódicas e, felizmente, não tem de ser escolhido por si.

É evidente que Isabel Moreira acha que só a sua opinião, imagine-se, é democrática, séria e independente.
Ignora, claro está, o papel absolutamente decisivo que jornais como o “Correio da Manhã”, que tão bem refere, o longínquo “O Independente” ou o mais recente “Sol” tiveram na exposição de tantos casos absolutamente fundamentais para os dias da nossa democracia.

Como entende ignorar, porque lhe convém, que sempre que o interesse público o justifique, como tem julgado incessantemente em sentido uníssono o TEDH, direitos vários em colisão com o da liberdade de imprensa e de informar e ser informado têm afastado outros direitos individuais, e tem sido julgada justificada a actuação desconforme dos jornalistas nesses casos.

Isabel Moreira pugna por uma moral única e pela sua concepção, também monolítica, de recusa de diversidades divergentes da sua ideia do que deve ser o Estado de direito.

No entanto, por cá, contra a sua cruzada estupidificante que, como de costume, acusa de fascismo tudo o que não quadra com a sua bitola, é importante que se reafirme que os tribunais em Portugal, contrariamente à doutrinadora Moreira e sobre a actividade dos jornais, entendem, e bem (entre outros leia-se acórdão do STJ de 13/7/2017, in www.dgsi.pt) que “(…) as exigências de uma sociedade democrática e aberta não se coadunam com a imposição de restrições, formais e rígidas, ao exercício da actividade de escrutínio e crítica a temas de manifesta relevância e interesse público, de modo a tornar lícitos apenas os juízos críticos quando formulados com elevação, de forma correcta e estritamente objectiva – não podendo erigir-se, neste âmbito, impedimentos ou discriminações ao modo como é exercida a liberdade de expressão e opinião que poderiam funcionar, em última análise, como formas atípicas ou subliminares de censura, vedadas pelo art.o 37.o da Lei Fundamental”. 

Assim, uma certeza nos fica relativamente a direitos, liberdades e garantias constitucionais e pluralismo: é a de que a deputada Isabel Moreira é fortíssima, como as imagens dos média documentaram ex abundantia, em assuntos de manicure. 

Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt 
Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990