e-toupeira. Milhares de páginas da investigação divulgadas na internet

e-toupeira. Milhares de páginas da investigação divulgadas na internet


Escutas reforçam a facilidade com que toupeira tinha acesso a bilhetes dos jogos do Benfica. Investigadores chegaram a suspeitar de subornos em dinheiro, mas não havia indícios suficientes para acusar arguidos


Mais de uma dezenas de volumes do processo e-toupeira foi divulgada hoje na internet, revelando escutas e informações bancárias das alegadas toupeiras do Benfica que foram solicitadas pelas autoridades ao longo de toda a investigação. Estas informações foram todas publicadas no blogue Mercado de Benfica. 

Apesar de os funcionários da Justiça suspeitos só terem sido acusados por passarem informações ao Benfica a troco de merchandising e de um contrato de trabalho para um familiar de um deles – José Augusto -, nestes volumes fica a perceber-se como as autoridades suspeitavam da existência de subornos.

Foi aliás por isso que foi levantado o sigilo bancário do outro funcionário Judicial acusado, Júlio Loureiro: “Existindo suspeitas que poderão ser monetárias, tais vantagens poderão ter reflexos nas constas bancárias, quer diretamente por créditos nas contas, quer indiretamente pela ausência de débitos. A análise de elementos bancários é pois essencial”, consideravam os investigadores. Depois de analisarem diversas movimentações entre 2017 e 2013 – algumas entradas de dinheiro injustificadas – o Ministério Público decidiu que os indícios de que dispunha não eram suficientes. 

Segundo os autos, já em março de 2018 – mês em que foram feitas as detenções -, José Augusto tentou perturbar o desenvolvimento da investigação, insistindo em contactos com outros funcionários da Justiça para tentar antecipar as diligências que iam acontecendo.

Nas escutas que constam nas  milhares de páginas hoje divulgadas, fica reforçado o à-vontade com que as alegadas toupeiras tinham acesso a bilhetes para assistir a jogos. E José Augusto não tinha problemas em falar disso ao telefone. Em dezembro do ano passado, numa conversa intercetada pelas autoridades, o funcionário judicial falava com uma pessoas cuja identidade não é revelada sobre um jogo do Benfica em Vila do Conde: “Vou ver a bola. Arranjo sempre uns bilhetinhos. Arranjaram-me para a bancada coberta. Não me apercebi e fui para outro setor. Fui com o meu filho… Apanhámos uma molha”.

Na mesma altura, numa outra conversa com a irmã Zilda, José Augusto fala sobre a vinda do sobrinho a Lisboa. O Ministério Público suspeita que em causa estaria um alegado contrato de trabalho com o museu Cosme Damião. “Ele vai falar com ele a seguir ao jogo… A seguir ao jogo. Não é antes, é a seguir”, assegura o funcionário judicial. “Ele vai ter que mandar mesmo o curriculum, não é?”, questiona a irmã. “Sim, porque ele entregou lá no Departamento de Recursos Humanos e não tirou uma cópia… E agora quer outra vez os papéis…”, explicou José Augusto. A investigação suspeita que o funcionário judicial estaria a falar de Paulo Gonçalves e que em causa estaria a contratação do sobrinho para o museu do Benfica. Questionado sobre se iria ter uma resposta em breve sobre o possível emprego, José Augusto é cuidadoso: “Não sei… Foi o recado que me deu por interposta pessoa… E ele também vai ver, não sei… Sabes, quando não se pode falar à vontade…”.

Em março deste ano, assim que foram presentes a primeiro interrogatório judicial Paulo Gonçalves, antigo assessor do Benfica, e José Augusto ficaram em silêncio. Mas os advogados reagiram de forma crítica quando o procurador Valter Alves pediu prisão preventiva, nomeadamente Paulo Gomes que representa o funcionário judicial: “Quem leva bancos à falência pode estar em liberdade, um indivíduo recebe umas camisolas uns bilhete tem que estar preso…honestamente”.  “Neste País, há pessoas que fazem atos mais graves e eu não vejo estas promoções”, continuou. 

Neste processo foram acusados a SAD do Benfica, Paulo Gonçalves e dois funcionários judiciais por crimes de corrupção, recebimento indevido de vantagem, violação do segredo de justiça e falsidade informática. Apesar da acusação dar como certo que Luís Filipe Vieira tinha conhecimento do que se passava, o Benfica defende que desconhecia, assim como o seu presidente, a atuação de Paulo Gonçalves, bem como qualquer pagamento de contrapartidas a estes funcionários.

A Procuradoria-Geral da República, questionada pelo i sobre se vai abrir algum inquérito para investigar a divulgação do processo e-toupeira na internet, não fez qualquer comentário até à hora de fecho desta edição.