Há virtuosismo na arte de empurrar os problemas com a barriga?


É preciso não persistir em empurrar esse drama com a barriga, a troco do conforto emocional dos parceiros da solução governativa, pois o país pagará sempre a fatura


A par da inveja, há um traço de personalidade coletiva que pontua a forma lusa de encarar as realidades, as tendências e as emergências: o empurrar os problemas com a barriga. A expressão desse traço inscrito no nosso ADN pode surgir com o tradicional desenrasca ou com manifestações mais elaboradas, em que à atitude estrutural se somam outros contributos para que o resultado seja o desejado. Ou, pelo menos, seja uma aproximação desse.

A desistência da Galp e da ENI de realizarem prospeções de petróleo e de gás na costa alentejana é uma boa notícia para o Estado português e uma boa notícia para o litoral alentejano e para o Algarve.

É certo que, durante anos, foram cometidos muitos atropelos de ordenamento do território e de delapidação do património ambiental, e não é menos verdade que a reação posterior das instituições de proteção ambiental assumiu um fundamentalismo excessivo. A questão é que o registo atual das autarquias é o de assumirem a dimensão ambiental como parte integrante do desenvolvimento local e da diversificação da oferta turística, para que não sejam apenas de sol e praia. Há um conjunto de dinâmicas no território que contam com a preservação dos ecossistemas como pressuposto da ação humana e da valorização dos territórios.

Acresce que, no plano nacional, existe um compromisso político de aposta na transição energética, na produção de energias limpas e no aproveitamento de todo o potencial energético do país, da energia solar ao manancial das reservas de lítio, que era contrariado por um conjunto de anacrónicas licenças de prospeção renovadas em véspera de eleições legislativas pelo anterior governo.

É claro que, mesmo em transição, continuamos a precisar de combustíveis fósseis mas, do ponto de vista das grandes opções estratégicas para o futuro do país, a bota não batia com a perdigota.

Como têm afirmado os autarcas algarvios, o petróleo do Algarve é o turismo. Há quem esteja a desenvolver programas municipais e de oferta turística com enfoque na natureza e na valorização do mar.

Este processo em que o governo empurrou o problema com a barriga para não ter de suportar o pagamento de indemnizações aos consórcios que tinham recebido licenças de executivos anteriores contou com uma firme oposição dos líderes e das comunidades no Algarve e no Baixo Alentejo. Neste caso, empurrar a questão com a barriga só produziu efeitos porque o impulso cívico, político e judicial se sobrepôs ao “deixa andar que se resolve”. Definitivamente é uma inspiração para outras grandes questões estruturais em que só a mobilização dos cidadãos poderá produzir algum efeito. Terá de ser assim no problema demográfico, na persistência das bolsas de pobreza e de exclusão social, na efetiva inversão do registo de abandono do interior, na preparação da nação para dar respostas ao envelhecimento da população e em tantas outras questões que sucessivos governos empurram com a barriga para os seguintes.

O problema é que, no essencial, estamos a ser geridos para o imediato, para as exigências dos parceiros de solução governativa – ainda por cima, pouco ou nada solidários – e para a afirmação de percursos políticos próprios.

Não será por isso de estranhar que se tenha começado a sublinhar em muitas questões que o atual quadro de referência das opções políticas é até ao final desta legislatura. Razão para, apesar desta vitória do empurrar com a barriga em sintonia com os efeitos da mobilização cívica, estarmos muito atentos como cidadãos a esse tipo de proclamações.

Não descansa ouvir que “o governo não vai atribuir novas licenças para prospeção de petróleo na costa portuguesa até 2019”. E depois? É certo que, pelo menos, as opções centrais não deverão ser tomadas nas costas dos decisores locais e das populações, mas nunca fiando.

É por isso que, apesar de poder haver muitos virtuosismos imediatos na arte de empurrar os problemas com a barriga, por maior que possa ser a proeminência, ela não é uma metodologia de governação com futuro. É que debaixo do tapete persistirão sempre demasiados passivos a acumular-se, decisões que foram adiadas e futuros que não foram previstos.

O mero empurrar com a barriga é incompatível com a afirmação de uma ou várias ideias estratégicas para Portugal. Excetuando a dimensão tecnológica, que visará sempre nichos de afirmação nacional, é esse um dos atuais problemas de Portugal. É preciso não persistir em empurrar esse drama com a barriga, a troco do conforto emocional dos parceiros da solução governativa, pois o país pagará sempre a fatura.

Não vai haver prospeção de petróleo na costa alentejana até 2019.

O governo empurrou com a barriga, os consórcios desistiram perante a intervenção dos cidadãos e das instituições locais e regionais, e os contribuintes não tiveram de suportar indemnizações.

Foi virtuoso mas, como qualquer empurrar com a barriga, não resolveu a questão estrutural.

NOTAS FINAIS

Anorético O serviço postal universal está uma lástima. Privatizado em 100% pelo PSD/CDS, assiste-se à privatização da privatização em mais regiões do país.

Em dieta O Orçamento do Estado para 2019 reduz substancialmente as verbas da proteção civil destinadas às corporações de bombeiros voluntários e à ANPC. São menos 33%, 77,1 milhões de euros, alegadamente pela transferência da gestão dos meios aéreos para a defesa. Com os riscos de fenómenos meteorológicos extremos a aumentar, é preciso ter a noção que o dispositivo voluntário, nos meios humanos e nos recursos materiais, está no limite. Descalçar mais a sapata deste pilar de proteção e socorro só pode dar asneira.

 

Em engorda A esperada vitória de Jair Bolsonaro só sublinha a importância de os democratas estarem atentos aos sinais, e não apenas às inevitabilidades. Está provado: onde houver uma oportunidade gerada pelos democratas, os populistas aproveitam-na. No Brasil como noutras latitudes. Povos cansados das rotinas da democracia dos exageros não hesitam em dar espaço aos populistas.

 

Empanturrado Parece que Marques Mendes terá sido convidado por Paulo Macedo, presidente da CGD, e pela Sonangol para ser o próximo presidente da assembleia-geral do banco público em Angola. Percebem-se agora muitos dos comentários das últimas semanas.

Escreve à quinta-feira