Quando, há quase quatro anos, Costa decidiu revogar o voto maioritário expresso nas urnas e erigir uma improvável coligação das esquerdas à condição de governo, ninguém esperava que estivéssemos hoje a assistir à aprovação (para já, na especialidade) do último Orçamento de quatro Orçamentos do governo PS, negociados e discutidos e aprovados pelo PS e seus parceiros.
Em fim deste ciclo, não deixa de ser surpreendente que, outra vez, cheguemos ao momento da mecânica e processual votação em que PCP e BE são chamados a sufragar a mais ou menos proverbial mão cheia de nada (fora do quadro dos ungidos de Costa e das clientelares extremas-esquerdas, os funcionários públicos).
Quem ouviu Catarina Martins a falar na linha inultrapassável que era a recuperação de todo o tempo da progressão de carreira dos professores neste Orçamento, ao fim do quarto Orçamento já não estranha e até banaliza condescendentemente a morte há muito anunciada desta “passionária” que, depois de quatro anos de “governo”, se aburguesou para além do reconhecimento, sendo hoje esta triste imagem do defunto antigo partido de protesto (e da especulação às vezes, que o feriu de morte) e com quem Costa fez nestes quatro anos tudo o que quis, sem reservas nem pudor.
Não admira, pois, que Catarina, depois da cíclica bravata em frente às câmaras e de duas ou três palavras de ordem tonitruantes, acabe por aprovar o Orçamento e nem por isso continue a ir à rua sem a cara pintada de preto. Como sói dizer–se, primeiro estranha-se, depois entranha-se!
Assistiu-se, assim, nestes quatro anos a um processo, menos intenso mas igualmente doloroso, de gelatinização das colunas vertebrais da esquerda de protesto, que Costa meteu no bolso com mestria.
Restam só os fogos-fátuos como o que o PC nos serviu ontem: num dia em que já aprovou o Orçamento na generalidade, mandou não obstante o seu braço armado da CGTP protestar contra o governo que declaradamente continua a apoiar, e julga-se que ninguém vê a incongruência. Deve ser aquela reacção bipolar de quem não toma o lítio, que lhe vem do desnorte de quem continua a sentir na boca, há quatro anos, por causa de Costa, o gosto amargo a sapo que Soares já lhes tinha dado a provar aqui há umas décadas…
Nesta legislatura, Costa domesticou o BE e o PCP, e agora alinhou com eles, veja-se a ironia, o fim dos espectáculos com animais ferozes. Se a conjuntura continuar a ajudar, pode bem ser mais uma autoprofecia que se cumpre…
Tirando o pitoresco desta prolongada instrumentalização dos idiotas úteis que se venderam para que o país passasse mais uma legislatura inteira a estagnar, a verdade é que, ao invés de acabar a austeridade, a mesma passou a ser diferente, mas em valores absolutos é pior e mais cega. A dívida externa é colossal e a despesa cresce menos que o PIB, mas cresce em valor absoluto.
A vulnerabilidade do país que nos levou ao resgate não está corrigida.
O último Orçamento da legislatura não foge à regra nem inverte nada.
Olha-se para o que pode ser o futuro e analisam-se os resultados a que chegámos com esta solução governativa, e no fim de contas chega-se à conclusão que da tal nova via que Costa trouxe à governação, que tanto prometia para o país, afinal, numa legislatura inteira para preparar o futuro do país, devemos ter perdido, exactamente, cerca de quatro anos.
Nota: Foi entretanto eleito (contra toda a imprensa mainstream e no que vai sendo uma tendência) o novo presidente do Brasil – para quem não percebeu ainda, tanto o ruído da esquerda fanática e não só, tal aconteceu num processo eleitoral democrático e sufragado sem notícias de fraude, sendo porém facto que os apoiantes do alegado candidato da democracia e do “bem” foram para as ruas atacar os apoiantes do vencedor e prometer resistência e mais toda uma quantidade de acções que denotam muito pouca tolerância e respeito pela legitimidade constitucional.
Não podendo derrotá-lo ou afastá-lo, com recurso a uma geringonça, estes apoiantes do derrotado – que. por alguma razão, toda a imprensa mainstream, comentadores e jornalistas, opinadores e políticos, não se lembraram de referir o óbvio facto de serem comunistas e de extrema-esquerda, além de apoiantes de regimes totalitários – reagem às votações com esta tal intolerância que seria, imagine-se, uma das tais características nefastas que imputam ao presidente recém-eleito, isto porque não toleram a sua maneira de pensar, que foge ao pensamento único dos iluminados do progresso.
Esta emergência de fenómenos mais ou menos populistas, parece-me, não é dissociável duma pseudomoral colectiva (que vai da direita democrática à extrema-esquerda) que se deixa esbater nas suas fronteiras, tornando-as comuns e indistintas, quando aceita embarcar num discurso único contra um candidato, como aconteceu, onde todos conseguiram encontrar uma analogia entre a eleição de Hitler nos anos 30 e a ditadura seguinte para atacar a eleição de Bolsonaro, mas ninguém reparou que o comunismo que o outro candidato representa e apoia foi tanto ou mais mortífero e recente, e que, depois do espectacular e estrondoso falhanço da Venezuela, é absolutamente incapaz de apresentar um caso de sucesso que não acabe em misérias imensas e atropelos generalizados dos direitos humanos, além de que, no Brasil, tal representa um fenómeno de corrupção generalizado e suicidário, mas aparentemente legitimável porque protagonizado pelos “bons”…
Urge, para bem de todos, que os partidos da democracia liberal definam as fronteiras das suas causas e as publicitem, longe da adesão por acção ou omissão aos progressismos fanáticos e modernos – que não têm, note-se, verdadeira adesão social, como se notou pela absoluta indiferença do eleitorado aos muitos apelos dos intelectuais de serviço (e Francisco Assis), cuja influência valeu pouco mais que zero, para condicionarem o sentido final dos votos – caso contrário, o Brasil será só mais um dos muitos países ideologicamente desalinhados que aí vêm.
Advogado na norma8advogados
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Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990