Lisboa e a longa recessão demográfica

Lisboa e a longa recessão demográfica


O orçamento que Lisboa apresenta beneficia do elevado nível de disparidades regionais que caracteriza o país. Este efeito de disparidades regionais é de tal dimensão que nem os mecanismos redistributivos presentes na lei das finanças locais conseguem anulá-lo


As mais recentes estimativas demográficas do INE são elucidativas quanto às consequências das políticas de desenvolvimento económico e de urbanismo vigentes em Lisboa, na última década, assentes fundamentalmente nos princípios da competitividade territorial e do livre funcionamento do mercado.

O concelho de Lisboa, entre 2011 (o ano do último censo) e 2017 (últimos dados divulgados) – em seis anos, portanto –, sofreu uma perda de população de 7%, tendo os restantes municípios da Área Metropolitana de Lisboa – Norte registado um crescimento conjunto de 3%.

Se tomarmos este ritmo de evolução da população e o projetarmos para o ano de 2021, o ano dos próximos censos, chegaremos a um desastroso mas revelador resultado em Lisboa. Tomando as estimativas do INE e assumindo–se o ritmo de evolução demográfica que aquelas indiciam, Lisboa perderá na presente década cerca de 11% da sua população residente. A este ritmo, a cidade mais do que triplica a taxa de perda de população da década anterior (-3,0%).

Se evidências faltassem da insustentabilidade social das políticas de desen-volvimento de cidade vigentes em Lisboa e, nomeadamente, da dinâmica do mercado residencial, assente até agora no “normal funcionamento do mercado”, as recentes estimativas do INE seriam suficientes para acabar com quaisquer dúvidas.

Não se ignora que a dinâmica demográfica que o país registou nos últimos anos é fruto também da sangria demográfica do período da governação PSD–CDS e da troika. Mas o que estes dados nos evidenciam é que a região de Lisboa, contrariamente ao que se verificou no resto do país, consegue apresentar um saldo demográfico positivo (as estimativas apontam para um crescimento de 4,8%, para a AML-Norte, até 2021). Lisboa foge a este padrão, com mais uma quebra demográfica acentuada. A conjugação destes elementos com os dados dos preços da habitação não deixa espaço para dúvidas: é o mercado imobiliário a mostrar, sem reservas, de que lado da equação se encontra – do lado do problema.

À luz desta realidade devem ser lidas quer as Grandes Opções do Plano 2019–2022, quer a proposta de Orçamento para 2019, apresentados pela maioria PS-BE em Lisboa.

No que se refere à habitação, a propaganda em torno das “rendas acessíveis” contrasta com o baixo e lento nível de execução dos projetos previstos. O Programa Municipal de Arrendamento a Custos Acessíveis (PACA), proposto pelo PCP e aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa em abril de 2018, que previa, entre outras medidas, que nesta altura estivessem em processo de reabilitação os fogos municipais dispersos pelas 24 freguesias da cidade, tendo em vista a constituição de uma bolsa de arrendamento a custos acessíveis, parece marcar passo desde então, não lhe atribuindo o orçamento PS-BE para 2019 as correspondentes dotações.

Sobre o programa económico para a cidade, uma breve anotação.

Como consequência de Lisboa ser uma cidade macrocéfala, à escala regional e à escala nacional, concentrando uma parcela esmagadora da economia regional e afirmando-se como centro de poder económico nacional, a cidade consegue beneficiar de um orçamento milionário, com parcelas importantes de receitas assentes na dinâmica do tecido económico. O orçamento que Lisboa apresenta beneficia do elevado nível de disparidades regionais que caracteriza o país. Este efeito de disparidades regionais é de tal dimensão que nem os mecanismos redistributivos presentes na lei das finanças locais conseguem anulá-lo.

É neste contexto que a cidade é lançada no jogo da competitividade territorial/urbana à escala europeia e de que a captação da realização da Web Summit é um exemplo paradigmático. Um jogo com, pelo menos, duas consequências. Por um lado, mesmo na lógica da competitividade (uma lógica cara às políticas de direita), ao ser jogado à escala da cidade, e não à escala regional, este jogo tornará sempre Lisboa um agente territorial liliputiano no confronto com outras grandes cidades/áreas metropolitanas europeias. Por outro lado, e este é o aspeto mais relevante do ponto de vista da coesão territorial e social, ao jogar o jogo da competitividade, enquanto vier a ter sucesso relativo, ainda que limitado, como atualmente sucede – veja-se os níveis extraordinários de investimento imobiliário internacional –, Lisboa intensificará o seu caráter macrocéfalo e os níveis de disparidades territoriais, quer à escala regional (AML), quer à escala nacional. E, mais importante, continuará a acentuar a já longa recessão demográfica para a qual foi arrastada.

 

Vereador do PCP na CML