Democracia e manipulação aumentada


As práticas sociais serão amplificadas pelos algoritmos, gerando espirais positivas ou negativas em função da sua programação ou da apropriação de padrões comportamentais


A sociedade em que vivemos é cada vez mais influenciada pela brutal aceleração tecnológica, que revolucionou a capacidade de recolher, armazenar, processar e usar dados como suporte de tomada de decisões, criou novas plataformas de prestação de serviços, automatizou tarefas cada vez mais complexas e promoveu a aprendizagem e a inteligência artificial, gerando novas dimensões de interação entre o homem e a máquina.

O impacto da nova revolução digital em todos processos de organização social é reconhecido e constitui um fator-chave de mobilização para os que desejam, com uma visão progressista e transformadora, colocar a tecnologia ao serviço duma sociedade humanista, decente e sustentável.

Algumas teorias preconizam a migração progressiva da humanidade para as máquinas, prometendo novas formas de “imortalidade”. Temo que essas distopias sejam usadas como justificação para que cada vez mais seres humanos sejam servos das tecnologias e, através delas, de processos de manipulação aumentada, atingindo o coração da democracia e dos sistemas de autodeterminação política dos indivíduos e dos povos.

O Parlamento Europeu, tendo em conta a demonstração feita de que dados pessoais cedidos pelo Facebook à empresa Cambridge Analytica podem ter sido usados de forma indevida para influenciar as decisões de eleitores no referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia e nas eleições presidenciais americanas de 2016, aprovou no plenário de 25 de outubro uma resolução visando proteger os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos europeus e precaver, tanto quanto possível, a utilização de mecanismos de manipulação em massa usando dados ilegalmente capturados nas redes sociais para influenciar os resultados da eleições europeias de 2019.

A resolução aprovada traduz a liderança que a União Europeia tem assumido no domínio da proteção de dados e na transposição para a sociedade digital dos seus valores partilhados como alicerces duma identidade digital europeia. O Programa Digital Europa, de que sou, no Parlamento Europeu, o relator-sombra em nome do Grupo Socialista e Democrata, e que permitirá investir perto de 10 mil milhões de euros em domínios tecnológicos de ponta entre 2021 e 2027, terá incorporado um quadro ético ainda em construção, mas adequado aos novos desafios. São passos importantes mas, neste combate, a tecnologia e as normas são instrumentais e insuficientes.

A chave são as pessoas. As práticas sociais serão amplificadas pelos algoritmos, gerando espirais positivas ou negativas em função da sua programação ou da apropriação de padrões comportamentais.

Precisamos de ser vigilantes, atentos, protagonistas ativos na deteção e no combate à manipulação, em triangulação com a tecnologia e a lei, para ajudar a salvar a democracia dos que usam as redes como instrumentos para contaminar a sociedade de emoções populistas.

O combate, até agora vencido, de manter a internet como uma rede governada pelos utilizadores, e não pelos potentados políticos e económicos, pode inspirar-nos para desenvolvermos redes de corregulação no combate ao uso abusivo e à manipulação de dados e conteúdos das redes sociais.

 

Eurodeputado