A deriva autoritária e asfixiante de António Costa e do PS


Regressamos aos tempos do “quem se mete com o PS leva”. O caso de Tancos, o Orçamento prepotente, a mentira de Vieira da Silva nas pensões e o achincalhamento do PCP e do Bloco são provas inequívocas


1. Voltámos ao tempo do “quem se mete com o PS leva”, proclamado por Jorge Coelho. É hoje manifesto o desprezo com que António Costa, os seus acólitos e o PS em geral tratam grupos sociais mais frágeis, adversários e até aliados políticos, enquanto se mostram subservientes relativamente a setores economicamente fortes. Para esta crescente arrogância concorrem, obviamente, as boas expetativas que as sondagens que encomendam lhes dão e o beneplácito do Presidente Marcelo.

Deixando de fora as peripécias à volta de Tancos, que se abordam adiante, há a questão do Orçamento do Estado, onde Mário Centeno se comporta com uma arrogância inédita ao não dar explicações sobre a gestão de 600 milhões. O OE tornou-se, assim, um documento feito de habilidades e sem credibilidade, que pode ser gerido como se fosse o dinheiro do ministro lá em casa. Já todos perceberam que Centeno irá, por via das cativações (ou seja, da austeridade encapotada), tentar chegar ao défice de 0,2% ou até de 0%, para depois dar às de Vila Diogo.

Nas pensões antecipadas e no fator de sustentabilidade ficou também exposto o regresso do PS trauliteiro por via do inenarrável Vieira da Silva, que se comporta de forma ditatorial. Isto depois de ter humilhado os jovens papalvos do Bloco e do PCP que conseguiram a proeza de sair de uma negociação sem sequer assegurarem o que tinha sido acordado à cabeça para formar a geringonça.

Outro caso de sobranceria ocorreu com Helena Roseta, que se demitiu das funções de liderança que exercia na comissão parlamentar de Habitação para protestar contra o impasse em que as coisas se encontravam. Santa ingenuidade! Roseta acabou chutada e substituída na comissão.

Outro claro sintoma de autossuficiência autoritária foi a forma como António Costa, num exercício de cinismo insólito, utilizou e despediu os ministros remodelados, a quem só comunicou que estavam exonerados depois da meia-noite e de eles terem participado na elaboração e aprovação do Orçamento do Estado. Humilhante! Mas todos os achincalhados ficaram caladinhos. A vida é muito difícil e há que cuidar dos lugares de recuo!

Uma coisa é ser-se um político determinado e firme, outra é o que António Costa está a fazer sistematicamente. O atual comportamento remete para a asfixia democrática que era a forma de atuar do seu adorado José Sócrates, ao lado do qual cresceu muito politicamente e do qual desertou. Sob um manto de bonomia, Costa sempre teve tiques autoritários e comportamentos pérfidos, como ficou patente quando apunhalou António José Seguro. Embora ainda não estejamos na fase a que Sócrates chegou, os sinais que Costa dá são preocupantes e vão crescendo na exata medida em que não há travão em Belém. Marcelo tem engolido praticamente o que Costa faz e deixa fazer, com a exceção de Tancos. Mas esse é precisamente um tema em que o Presidente nada saber é mais grave ainda do que saber e não ter feito nada. Marcelo adotou desde sempre o estilo macio. Não guardou distância institucional. Está limitado e se quiser intervir de forma substancial terá de ser de forma drástica. Está apanhado na mesma teia que Jerónimo e Catarina Martins.

2. O caso Tancos, tanto o ridículo desa-parecimento como o posterior achamento do material, não para, entretanto, de se agravar, descredibilizando os principais dirigentes do Estado e alguns militares. No sábado, o “Expresso” contava a fábula de que Azeredo Lopes soube mas desvalorizou o encenar do achamento. Melhor só Bill Clinton quando respondeu que fumou mas não inalou, ao ser interrogado sobre se já tinha consumido marijuana. Só engolindo a explicação de Azeredo é que António Costa e, por tabela, Marcelo e mais gente da política se podem livrar da suspeita de saberem o que estava a passar-se. O Presidente, prudentemente, pôs-se de fora, dizendo que não ficou com a impressão de que Costa soubesse. Muito conveniente. Muito estranho. Falta agora perceber o que Joana Marques Vidal também não sabia do assunto.

3. A Associação Mutualista Montepio, de longe a maior e mais antiga do país no setor, vai a votos a 7 de dezembro. Esta enorme instituição conta 640 mil associados, tem à sua guarda milhares de milhões de euros e, na prática, é a dona do banco Montepio Geral. As próximas eleições são absolutamente decisivas. Mais do que nunca, é importante que os mutualistas do Montepio assumam as suas responsabilidades e participem ativamente, informando-se antes de votarem, para depois não terem surpresas desagradáveis, como se tem visto noutras instituições nas quais os mais frágeis, ou seja, os que confiaram em quem geria a suas poupanças, foram os únicos prejudicados. A situação da associação é extremamente opaca e não ajuda a circunstância de o Ministério da Segurança Social (outra vez Vieira da Silva a falhar) não dar nota pública dos resultados da tutela que lhe compete.

 

Jornalista