A proximidade potencia o humanismo. Estar próximo determina um certo perfil de relação, de aprofundamento do conhecimento sobre a realidade e de resposta perante os estímulos emanados das dinâmicas existentes, mesmo que sejam estáticas. A proximidade está em risco por diversas razões. Em meio urbano, por exaustão dos ritmos de vida que conduziram a várias solidões no meio de multidões; em meio rural, por via do despovoamento e da descontinuidade da presença humana no território; e, no quadro da economia, por imposição dos ditames da folha de excel, das economias de escala ou dos alegados ganhos de eficiência. Em política, a proximidade tem dias. Ora é enunciada como prioridade humanista, por contraste com a austeridade, o distanciamento e outros fenómenos de afastamento em relação às pessoas e aos territórios, ora é abominada por contradições entre os discursos políticos e a realidade concreta de serviços públicos que se esvaem, das concentrações de serviços que abandonam comunidades e por indiferenças que fragilizam o Estado como pessoa de bem, preocupada com os seus elementos constitutivos.
Os governos fazem as suas opções políticas com impactos na proximidade.
O do PSD e do CDS, a partir da inscrição no memorando de ajustamento de um programa de privatizações que incluía alienações de transportes (Aeroportos de Portugal, TAP e CP Carga), de energia (Galp, EDP e REN), de comunicações (Correios de Portugal) e de seguros (Caixa Seguros), resolveu adotar um modelo de privatização de 100% dos Correios de Portugal (CTT).
O do PS, com o apoio do BE, do PCP e do PEV, reverteu a privatização da TAP e nos transportes rodoviários do Porto e manteve todas as restantes que o governo PSD/CDS tinha materializado, sem que tivesse vertido em letra de lei o que deveria ser a reserva estratégica nacional.
Essa falta de acautelamento do interesse público, na ânsia de fazer receita rápida, gerou serviços públicos concessionados com menor qualidade do que a que existia antes da vinda da troika e uma incapacidade dos reguladores e do Estado para imporem mínimos.
É por isso normal assistir, em cada ocorrência meteorológica extrema, a prestadores de serviços públicos, ainda que concessionados, andarem, quais baratas tontas, a tentar descortinar onde estão os danos, os problemas ou as necessidades. É que, com a voragem fundamentalista dos economicistas, perdeu-se a proximidade das empresas locais conhecedoras dos recantos, das rotinas, das dinâmicas e quase das pessoas.
Perdeu-se a proximidade e continua a perder-se a cada dia que passa, numa ensurdecedora contradição entre o discurso da valorização do interior e a persistência de encerramentos, da degradação e dos afastamentos da estrutura do Estado em relação às pessoas e aos territórios. O caso dos CTT e de outras substituições de serviços reais por serviços digitais ou por sucedâneos prestados por terceiros, privados, é só mais uma situação, mas é a mais gritante.
Quase impávidos e serenos, os corredores do poder, em Lisboa, assistem a uma sangria do serviço postal universal nos territórios de baixa densidade, em total contradição com a intenção enunciada de valorizar o interior.
Há uma evidente degradação do posicionamento territorial do serviço postal universal.
Há uma profunda degradação da qualidade do serviço prestado a uma população que há muito interiorizou uma sensação de abandono por parte dos decisores centrais que apenas é mitigada pela resiliência das autarquias locais. Mas a degradação do serviço postal, nas rondas de distribuição, nas entregas de correspondência ou nos recursos humanos disponíveis, não é um exclusivo do mundo rural, projetando-se também nos centros urbanos, onde a mobilidade e a proximidade são negligenciadas por quem não tem responsabilidades de gestão do território.
Há uma insanável contradição entre querer remeter mais competências e recursos do poder central para o poder local e continuar a permitir estes sinais contraditórios, provocadores, que enunciam um Estado refém do poder económico, incapaz de regular, de impor a defesa do interesse das populações e de fazer valer a prevalência da política, com rigor e transparência.
Agora que o mundo, incluindo algum mundo em português, parece ter despertado para as notícias falsas, as narrativas construídas sem nexo com a realidade e outras originalidades que contam com cidadãos pouco exigentes, vivemos em profunda transformação da dimensão real para a digital. Não se cuida de acolher o perfil da população, as dinâmicas das comunidades e a importância da proximidade nas opções e nas soluções adotadas para as pessoas e para os territórios.
No mundo das fake news parece mentira, mas é verdade: quem decide não consegue encontrar o ponto de equilíbrio de proximidade que impediria os CTT de, por exemplo, fecharem estações em sedes de concelhos ou persistirem em reduzir rondas de distribuição para entregarem cartas fora do prazo de pagamento de outros serviços. A voragem de degradação já vai ao ponto de nem os serviços contratados e pagos serem bem efetuados.
Tarda um verão de São Martinho para as pessoas e os territórios, em especial para os do interior. Um sol com menos palavras e mais ação. Como deveria e como deverão ser as coisas.
NOTAS FINAIS
CÃES QUE LADRAM Uma vez mais, muitas das proclamações inflamadas de Bloco e PCP em fase de pré-anúncio do Orçamento do Estado para 2019 deram lugar a uma resignação em que nem escapam as inúmeras propostas defendidas no plano local e regional. Uma vez mais ficou o país a saber que muito pouco do que foi defendido lá na terra ou junto a setores da sociedade teve relevância para suscitar uma mudança de sentido de voto. São questões acessórias, só vitais no bitaite político.
CARAVANAS QUE PASSAM Pode uma remodelação levar ao arquivamento de uma investigação por uma eventual incompatibilidade, por ser desprovida de utilidade em relação à situação concreta? Maquiavel pode estar mesmo no ativo.
Escreve à quinta-feira