Eleições no Brasil. “A virada começou em São Paulo e vai espalhar-se por todo o país”

Eleições no Brasil. “A virada começou em São Paulo e vai espalhar-se por todo o país”


Fernando Haddad está pela primeira vez à frente de Jair Bolsonaro nas intenções de voto na cidade de São Paulo


“Como é que desceu tantos pontos de um dia para o outro?”, pergunta-se num boteco da Barra Funda, um bairro popular do centro de São Paulo. “Vai virar. Vai mesmo virar.” Apoiantes do Partido dos Trabalhadores. Haddad bem tinha dito no ato de virada pela democracia de segunda-feira, no Teatro da Universidade Católica de São Paulo, que já tinha visto eleição virar ali. E pode ter sido essa noite em que artistas, académicos, torcidas de futebol, juristas – através de um manifesto pela democracia assinado por mais de 2 mil – e representantes de sete religiões; podem ter sido as declarações de ódio e ameaças à esquerda e aos movimentos sociais de Jair Bolsonaro num vídeo transmitido em directo para a Av. Paulista, onde se manifestavam os seus apoiantes. Pode ter sido tudo. 

A verdade é que na quarta-feira à noite, já depois do fecho da edição em Lisboa, o comício de Haddad e Manuela d’Ávila de regresso à maior cidade brasileira começava em festejo: “Todos os jornais anunciam que a virada começou. A virada começa aqui em São Paulo e vai se espalhar por todo o país, porque os brasileiros e as brasileiras não querem cair nas trevas do fascismo e da ditadura.”

Depois de um dia de campanha no Rio de Janeiro, Guilherme Boulos, do PSOL, de novo ao lado dos candidatos a presidente e a vice brasileiros, no largo da Batata, que assistiu aos maiores protestos do #elenão de São Paulo, as palavras de ordem contra Bolsonaro já davam lugar a outras. “Haddad, guerreiro do povo brasileiro”, mas mais longe do que antes: “E vai virar, e vai virar. É o Haddad com projeto popular”. Ou só um “já ganhou!” o que diziam até aqui apenas os apoiantes de Bolsonaro. 

Na quarta-feira, uma nova sondagem do Ibope colocava de repente Haddad à frente de Bolsonaro nas intenções de voto na cidade de São Paulo, onde o candidato do Partido dos Trabalhadores foi prefeito entre 2013 e 2017. Na primeira volta das presidenciais que acabam de se decidir no domingo, em segundo turno, o candidato do PT tinha ficado 25 pontos atrás do candidato do PSL, que somou 44% dos votos. Agora é Haddad, que no início do mês venceu apenas no Nordeste, a reunir 51% das intenções de voto dos paulistanos. Com uma margem de erro situada nos 3%, os candidatos estão em empate técnico na maior cidade e capital económica do país.

A Bolsonaro, Haddad pede que desse só mais duas entrevistas. Mais duas e perderá as eleições, sentencia. “Com esse sentimento de quem está do lado certo da História, de quem começa a desmontar uma farsa porque já está derretendo, a rejeição está aumentando”, afirmou Guilherme Boulos, do PSOL que, mais do que declarar apoio, se uniu à campanha de Haddad na última semana. “Temos mais quatro dias para fazer derreter de uma vez. Parar, derrotar o fascismo. Porque eleição não se ganha por antecipação, não. Eleição não se ganha antes da hora. A eleição vai ser ganha no domingo e vai ser ganha por Fernando Haddad. Porque nós vamos virar.”

A pressão pela virada é visível também nos títulos dos jornais. Enquanto Bolsonaro continua a esforçar-se por desvalorizar o financiamento indevido da sua campanha através de empresas que pagaram envios de mensagens contra o PT via WhatsApp, o Tribunal Superior Eleitoral ordenou a despublicação do vídeo em que o candidato do PSL coloca em dúvida o processo eleitoral. Na “Folha de São Paulo”, que Bolsonaro continua a acusar de divulgar “fake news”, escreve-se que quem puxou o gatilho “foi o eleitor”. E que, “com tudo às claras” como está agora, o voto deste domingo traz  uma “responsabilidade inédita” aos brasileiros desde a redemocratização, na década de 1980. O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, no mesmo jornal: “A campanha de Bolsonaro estava usando fraudulentamente empresas para enviar, via WhatsApp, mensagens contra o PT. Caso ele seja eleito no próximo domingo, este é um motivo mais que suficiente para que a justiça casse o seu mandato.” E acrescentava ter esperança que talvez até ao próximo domingo os eleitores brasileiros caíssem em si e se recusassem a eleger Jair Bolsonaro. “A insanidade de um povo tem limite.”

Apesar dos desenvolvimentos dos últimos dias e de algumas críticas pontuais a Bolsonaro, o histórico presidente Fernando Henrique Cardoso continua sem apoiar qualquer um dos candidatos. Determinante para o resultado com que os brasileiros acordarão na segunda-feira de manhã, seria Ciro Gomes. Que apoiou a candidatura de Haddad, mas com uma certa distância. Um apoio “crítico” – o mesmo faria Marina Silva no decorrer desta semana. Segundo noticia a imprensa brasileira, o candidato fez na quarta-feira um último apelo à direção do PDT de Ciro Gomes, terceiro mais votado na primeira volta, através de um telefonema a Carlos Lupi. Ciro Gomes, que viajou para a Europa depois da primeira volta, regressa hoje ao Brasil onde, escreve a “Folha de São Paulo”, reavaliará a sua posição. Se isto vira ou não, só domingo vai dar para saber.