B Fachada. “Continuo a ter algo a dizer”

B Fachada. “Continuo a ter algo a dizer”


B Fachada tem mais discos do que filhos, mas a profissão de pai de três crianças tirou tempo de investigação à escrita, a matéria-prima original das canções. Entretanto, regravou “Vila Braguesa”, dez anos depois, que apresentará no Musicbox


O “Viola Braguesa” é regravado por motivos técnicos ao fim de dez anos. As pessoas não estarão à espera de música nova?

Sim, podem estar à espera de música nova (ri-se). Não haverá mais nenhuma efeméride nos próximos anos. Este é um disco específico. Quando fui gravar o “[fim de semana] no pónei dourado”, o Eduardo Vinhas (produtor) pensava que ia regravar o “Viola Braguesa”. Esta regravação estava à espera há nove anos e meio (ri-se de novo). Entretanto, fiz o meu estúdio aqui em casa e o Pónei [Dourado, onde B Fachada gravava] também fechou. É uma espécie de test drive. 

Ter um estúdio caseiro pode ser a ignição para material novo?

Bom, não é bem um estúdio. Não é um substituto do Pónei. Será sempre o início do processo que depois terei de terminar noutro estúdio. O meu problema com o estúdio é que me comprometo e a minha vida depende da família. Tenho que encontrar uma maneira de acabar um disco.

De 2008 a 2012 gravou discos a um ritmo semestral. Parou e voltou em 2014 com um novo álbum. A explicação para não voltar a gravar é a família?

Mais ou menos. A culpa não é da família. É uma escolha. É um tempo que vai passando. Tenho menos oportunidade para ler e investigar coisas novas. A parte da música é igual, sai-me com facilidade, mas a escrita exige um tipo de atividade intelectual que, com três crianças, é difícil. Com estas gravações, lembrei-me que há vida para além das letras. Os instrumentos, os arranjos, os coros…

O mundo atual inspira-o menos do que nesse período de maior produtividade?

Acho que não. Não é tanto uma questão de inspiração. É fácil deixar o tempo passar porque “não há assunto”. O que acontece é que há dez anos passava o tempo à procura das canções, a tentar tirar prazer e a chegar mais longe mas comparar a inspiração de um jovem adulto. Na altura, sabia muito pouco da vida ou menos do que sei agora (ri-se). Era quase uma questão formal. 

Está a trabalhar em material novo?

Estou sempre. Nestes anos, houve vários discos começados ou por terminar. Mas depois o trabalho vai-se tornando desanimador quando não se vai até ao fim. Falta-me marcar o golo. Tenho que me sentar para marcar os golos que têm faltado. O próximo disco será uma coletânea dessas canções. 

Impôs-se prazos?

Não. Há esse problema. O prazo antes era o fim da sessão [de estúdio]. Hoje não me consigo comprometer. Basta aparecer uma otite, o que com três crianças é bastante provável (gargalhada). A vida está cheia de emergências para tratar das crianças e a paternidade não tem de ter um compromisso.

Não sente a pulsão de ter algo a dizer?

Sim, continuo a ter algo a dizer. Aliás, sempre pensei que ia aparecer alguém melhor nestes cinco anos. Não sei um grande cantor, nem um grande instrumentista. Mas o meu lugar até se fundou mais. 

Relaciona-se bem com a sua obra?

Sim, bem. Vou mostrando aos miúdos para eles também ficarem a conhecer. Este disco é para eles, para ficarem com o cérebro bem lavado (ri-se). 

Esta semana, os Diabo na Cruz, dos quais fez parte, estão em primeiro lugar de uma tabela nacional de vendas em que também surgem Márcia e os D’Alva. É uma forma de observar que o trabalho não foi em vão?

Acho que a circunstância o foi permitindo. Eu trabalhei para partir uma parede. Para abrir uma porta que achava que estava vazia. Era esse meu o propósito. Achava que elas canções estavam por fazer. Há dez anos, foi quando as coisas começaram a mudar mas há onze não havia ninguém. Não havia salas, nem público. Sempre me pareceu porque é que não havia música independente. Porque é que na minha geração aquela música não existia. Não compreendia esse buraco. Porque é que não havia mais trabalho com a língua. Mais experimentação. Achei que aquela música haveria de dar saúde. Lá fora, ou seja no mundo anglo-saxónico, estava tudo a avançar mundo depressa. Aqui, a música tinha parado no tempo. E a língua tinha parado no tempo. Havia uma ou duas pessoas a tentar avançar. Agora, o facto de se terem normalizado as aparências não significa que não haja música por fazer. 

Nos últimos anos, deu concertos baseados em repertório do José Afonso.

Sim, trabalhei sobre repertório do Zeca. Já tenho mais de trinta canções que gostava de editar num triplo disco. Não lhes mexi na estrutura. Mexi na métrica. Fiz um exercício ao contrário. Tentei tirar o produtor e ficar só com o Zeca. Perceber qual é a característica porque a música permanece.

E contextualizar num quadro político que ameaça ter algumas parecenças com o da época?

O ser humano tem tendência para andar em círculo. Agora, temos a tecnologia para transmitir a sensação que o tempo anda. Substituem-se umas convenções enquanto continuamos a moralizar o próximo. Continuamos em guerra uns com os outros. A consciência histórica é muito fraquinha. Não conseguimos imaginar o mundo dentro de 100, 200, 1000, 2000 anos! Achamos que os humanos do passado eram uns coitadinhos. A vida era assim porque era assim. É assim que se ensina a História na escola. Isso destrói qualquer possibilidade de mudarmos. Somos iguais, só mudou a circunstância. A merda continua sempre a vir ao de cima, a flutuar. 

Depois dos concertos (amanhã no Musicbox, 3 de novembro no Passos Manuel no Porto e 4 de novembro no Salão Brazil em Coimbra) do “Viola Braguesa”, vai voltar para casa? 

Sim, vou continuar a fazer a minha vida normal. A sair de casa para dar alguns concertos. Há dez anos, o mais normal era tirar uma semana, mas agora é quase impossível ter uma semana de cinco dias. E os dias começam a meio da manhã e só vão até meio da tarde.