Um ano depois do alerta de Ricardo Robles, ao considerar a entrega da residência oficial do presidente da Câmara de Lisboa para alojamento local como um negócio “lesivo para a cidade”, a história repete-se. Ao i, os vereadores da oposição criticam a concessão da Casa do Presidente por 25 anos à empresa MCO II, considerando que não está a ser contemplado o interesse público.
O Bloco já pediu, entretanto, dados adicionais à autarquia sobre os “imóveis públicos” concessionados pela autarquia, “qual o prazo das concessões e sob que condições”. A deputada municipal do Bloco de Esquerda Isabel Pires defendeu, citada pela Lusa, ser “inadmissível que a Casa do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa esteja a ser utilizada exatamente para aquilo que tem sido tão criticado”.
João Pedro Costa, vereador do PSD, diz que “só um presidente da câmara que não conhece a cidade de Lisboa pode fazer um negócio deste género” e deixa um recado a Fernando Medina: “a Câmara Municipal de Lisboa não se limita apenas aos Paços do Concelho”.
O vereador aponta ainda o dedo aos números envolvidos no negócio, afirmando que a atividade é apenas rentável para a empresa privada que ganhou a concessão deste espaço. “O contrato prevê o pagamento de mil euros por mês nos primeiros três anos e 2600 euros mensais nos anos seguintes, mas o arrendamento é feito por mais de 800 euros por dia. Não entendo como é que a autarquia faz um negócio destes”, diz ao i.
Também para o vereador do CDS este negócio “é lamentável” e lembra que o partido votou contra este projeto em reunião de câmara em 2014. “Sempre consideramos que este negócio tinha demasiadas pontas soltas e que o interesse público não estava a ser contemplado”, diz João Gonçalves Pereira ao i. Quanto à explicação de Medina de que o presidente da autarquia não tem residência oficial, diz apenas: “Está a tentar justificar o que é injustificável”.
Opinião partilhada por João Pedro Costa ao considerar que nenhum presidente da câmara é obrigado a residir nesse espaço, mas defende que tem de o respeitar: “Nem todos os presidentes de câmara são obrigados a residir na residência oficial, mas até aqui sempre foi usado esse espaço para receções oficiais e para outros eventos ligados à autarquia. Não é para alojamento local ou para se realizarem casamentos e batizados como inicialmente se falou”.
O vereador do PSD também contradiz Medina no que se refere ao investimento feito pela empresa que ganhou a concessão. “O presidente da câmara diz que a empresa vai investir três a quatro milhões de euros naquele espaço. Isso é uma explicação falaciosa. O que essa empresa vai fazer é investir esse montante num outro hotel em Monsanto”, diz ao i.
Nas redes sociais, as primeiras reações antes das explicações oficiais também não se fizeram esperar. O deputado Duarte Marques comentou uma versão conspirativa para a polémica: “Isto da residência oficial da CML estar em Alojamento Local deve ter sido algum espertinho brincalhão que submeteu nas plataformas à revelia da CML. Alguém acredita nisso?”.
Contradições No entender do vereador social-democrata com esta situação, Medina deixou de ter condições para levar na próxima quinta-feira a votação em reunião de câmara as restrições à atividade de alojamento local em cinco freguesias. “Como é que a mesma pessoa que quer limitar o alojamento local às freguesias de Madragoa, Castelo, Alfama, Mouraria e Bairro Alto leva a cabo um negócio destes”, salienta.
Para o antigo vereador da mobilidade da CML, Fernando Nunes da Silva, “é profundamente contraditório por um lado estar a introduzir – e bem – restrições à proliferação do alojamento local em zonas históricas de Lisboa e ao mesmo tempo estar a utilizar um edifício com um certo simbolismo para alojamento local”, refere ao i.
“Não é que a zona de Monsanto sofra de excesso de alojamento local, acho é que é um sinal político errado. Não faz sentido nenhum”, defende o engenheiro, para quem faria mais sentido “disponibilizar o edifício para, por exemplo, a reitoria da Universidade de Lisboa, para receber pessoas no âmbito de doutoramentos honoris causa de estrangeiros. Deveria dar-se usufruto a instituições que precisam”, acredita.
O negócio da concessão do espaço para efeitos turísticos foi aprovado ainda no tempo em que António Costa era presidente da câmara, em 2014. Na altura, o PSD absteve-se, o PCP e o CDS votaram contra a iniciativa.
Com Beatriz Dias Coelho e Cristina Rita