Este OE para 2019, que é o quarto do mesmo governo, é coerente com os precedentes.
Segue sempre a conjuntura e, na edição deste ano, abre ainda portas em maior escala ao mercadejar de votos, já que 2019 é ano de eleições, oferecendo benefícios a uns, expectativas a outros, muitas promessas que sabe incumpríveis a crentes, é um verdadeiro Orçamento de embuste, mas coerente.
Que diferença dos anteriores? Nenhuma.
Promete cumprir o défice orçamental e cumpre. Despreza o défice social e agrava-o. Promete reequilibrar o território e esquece-o, mas cria uma secretaria de Estado com o mesmo titular da “Missão para Valorização do Interior” que se finou ao terceiro dia. Promete reforçar o Estado e endivida-o, reduzindo serviços e a sua qualidade. Promete “repor rendimentos” e repõe, para de seguida retirar por mil e uma artes e manhas disfarçadas…
Neste contexto, procurar-se no OE de 2019, ataque a problemas estruturais é perfeitamente frustrante.
Por exemplo…
Não cuida da dívida quando há consenso geral de que, enquanto não descer e ficar entre 90% e 100% do PIB, a fragilidade a choques externos é elevadíssima. Se crescêssemos tanto como a Espanha, por exemplo, a nossa dívida estaria nos 90% do PIB: este governo envia a mensagem de que, disso, hão-de cuidar os credores quando o BCE quiser e os financiadores internacionais fecharem a porta.
Portugal é um país de empresas descapitalizadas que não tem mercado de capitais para dinamizar investimento, captar recursos e criar alternativas à dependência do financiamento bancário: isso que cuidem os capitalistas interessados.
O consumo em Portugal, por cada 1000€ de bens ou serviços, obriga a liquidar 230€ ao Estado. A paragem nas áreas de serviço e aquisição de combustíveis, leva o contribuinte – destes verdadeiros balcões da “Autoridade Tributária” – a cobrar em cada 100€ de combustível 60€ de ISP. Um salário de 1250€ no final do mês leva para casa 900€. Não cuida do problema da poupança das famílias e dos impostos elevadíssimos.
Não dá prioridade e não induz crescimento no sector industrial, tão estratégico para gerar mais-valias na inovação e criatividade. O mundo é de quem produz bens e serviços e nenhuma economia vive apenas do turista e do turismo, salvo em ilhas a quem não se permite outra ambição; este OE remete para as associações empresariais que promovam o país como destino de investimento industrial e as universidades e municípios que criem polos industriais.
Não dá prioridade ao licenciamento empresarial. Em Espanha bastam três meses, em Portugal nem trinta meses chegam. Mas que importa, os slogans simplexes bastam.
Neste quadro analítico, o Portugal 2020, fonte que poderia ser do pouquíssimo investimento privado, é um verdadeiro fracasso; segundo o governo, não assumindo responsabilidades e tendo sido despedido o ministro responsável, na noite em que aprovou o OE, isso dever-se-á às Comissões de Coordenação Regional que não planificaram como deviam.
Hospitais e empresas públicas estão de novo a gerar dívida descontrolada, escondida e atirada para os credores a quem não paga: mitiga-se com migalhas devidamente multiplicadas em anúncios sucessivos.
Os mesmos sectores já nem investimento de manutenção mereceram no ano orçamental corrente, encontrando-se em plena degradação – nalguns casos catastrófica – de qualidade nos serviços e equipamentos: os contribuintes no futuro ocorrerão com a chamada ao sacrifício das suas poupanças e a retirada em impostos com o fruto do seu trabalho. Neste orçamento e depois de aprovado, despedem-se ministros, confessando o despautério governativo e abrindo porta a novos protagonistas.
O “inverno demográfico” e a redução da natalidade preocupa governos responsáveis: este assume que não se mantém o poder, não se governa nem se faz eleger com o voto dos nascituros, apenas dos que têm capacidade eleitoral activa e votam em 2019.
E se a longevidade se afirma a cada dia, como não liberalizar até à avaliação pessoal e institucional a prestação de trabalho dos mais idosos no público e no privado, em modalidade de tempo inteiro e parcial? Este governo com a redução do tempo de trabalho para as 36 horas no Estado, basta-se quanto às temáticas de intergeracionalidade activa.
Espera o crescimento da economia numa muito optimista previsão: vai-se ver e agarra-se a receitas extraordinárias do Banco de Portugal e da Caixa, bem como à redução do juros.
Distribui 800 milhões a servidores do Estado e 80 milhões a utilizadores dos transportes públicos em Lisboa e Porto. Aqui se concentra uma boa parte da origem eleitoral dos grupos parlamentares.
Em resumo: este governo tem uma política orçamental que depende de um único factor corrector: as cativações. Mas com prazo de validade, o da subsistência mínima do Estado.
O governo, com o Orçamento do Estado de 2019, talvez exiba em Bruxelas o défice nominal zero. Aplicou, para este efeito, um programa mais fundamentalista que a verdadeira “troika” teria exigido, a partir do Eurogrupo de Centeno e à custa do défice escondido em sectores como a saúde, a educação, a segurança, a defesa, as infra-estruturas em geral.
Mas há coerência neste Orçamento. Governar à esquerda na maior impunidade política e numa época de crescimento do PIB – embora na cauda da Europa – constitui a matriz definitiva que a esquerda tem para oferecer.
Este OE é assim o seu espelho.
E o apoio do PCP e do BE está conforme à solidariedade entre uma face e outra da mesma moeda…
Tudo começa a ficar mais claro na construção de uma nova alternativa de governo.
Jurista, Escreve quinzenalmente