Ajax-Benfica. Gatos vermelhos num imaculado branco…

Ajax-Benfica. Gatos vermelhos num imaculado branco…


Uma das mais formidáveis eliminatórias da Taça dos Campeões Europeus. Dia 12 de Fevereiro de 1969, o Benfica foi a Amesterdão dar uma lição de futebol num campo gelado. A desforra dos holandeses em Lisboa seria tremenda. E obrigaria a um desempate, em Paris.


Amanhã, o Benfica regressa a Amesterdão. Cidade onde conquistou a sua segunda Taça dos Campeões Europeus. E onde, em Fevereiro de 1969, assinou uma das grandes exibições da sua história europeia. Bateu o Ajax por 3-1, mas viria a perder a eliminatória.

12 de Fevereiro de 1969.

O Benfica desmanchou por completo o Ajax no seu próprio estádio. Mas seria o Ajax a passar à fase seguinte. Malhas que o futebol tece… Viria vencer à Luz pelo mesmo resultado e ganhou por 3-0 no desempate que teve lugar em Paris. Nesse tempo era assim.

Mas isso não faz esquecer o encontro da primeira mão.

É um daqueles momentos inesquecíveis, irrepetíveis.

A neve caindo do céu holandês.

Mário Zambujal escreveu na sua prosa plena de elegância: “Gatos Vermelhos em Campo de Neve”.

Rinus Michels, treinador do Ajax, depois da Holanda mecânica e laranja: “O Benfica surpreendeu-me. Fui ver alguns jogos a Portugal e hoje jogou infinitamente melhor do que aquilo que tinha observado. E é muito experiente nestes jogos europeus”.

Ajax, 1 – Benfica, 3.

Mário Zambujal outra vez: “O Ajax todo, jogadores, técnico, público, teve a primeira surpresa. Logo aos 3 minutos, Torres esteve quase a marcar e não tardou mais dois para que Toni bombardeasse a barra com um admirável remate”.

Admirável: bom adjectivo para esse Benfica. “O ataque português penetrava na defesa adversária com segurança mercê da sua superioridade num capítulo que é ainda muito importante: esse de saber jogar bem a bola. Simões, Eusébio, Torres, Jaime Graça, Toni, desataram a mostrar logo de entrada que fosse qual fosse o desfecho do jogo, eram eles que formavam a única grande equipa em campo”.

Primeiro golo do Benfica: penálti cometido sobre Simões que corria solto para a baliza holandesa.

Marca Eusébio? Não marca?

Não marca: marca Jacinto.

Eusébio: “Estava nervoso. Confesso que fiquei com medo de falhar e fui à linha lateral dizer isso ao senhor Otto Glória”.

Jacinto: “O Eusébio disse-me – vai lá tu! Nunca tinha marcado um penálti na neve. Mas estava calmo. Saiu bem”.

Meia-hora passada.

Eusébio desferira um dos seus pontapés mágicos num livre directo. Bals, o guarda-redes do Ajax também foi mágico. Torres cabeceia à barra.

Depois rouba a bola a um adversário e vai de abalada até à baliza adversária, até ao golo.

Simões sai a coxear, entra José Augusto: “Fui carregado com brutalidade no lance do penálti. Estou com muitas dores. De certeza que não vou conseguir jogar no domingo”.

Veio o intervalo e um Ajax para melhor na segunda parte. O sueco Danielsen fuzilou José Henrique. José Henrique que acabou o jogo com o tronco ligado, cheio de dores: “Os avançados do Ajax são muito fortes e não poupam os guarda-redes. Junto à baliza, o chão estava duro como ferro por causa do gelo. Cada vez que me atirava era um sacrifício”.

Danielsen: “A vitória do Benfica foi justíssima. Enfim, pode ser que ganhemos em Lisboa”. Ganharam.

O 3-1 derradeiro foi um clássico: canto de Eusébio, Torres lá no alto a amortecer para José Augusto.

Mário Zambujal: “Em muitos países da Europa alguns milhões de tele-espectadores terão assistido, com surpresa, a uma actuação ao nível das melhores de sempre do Benfica na Taça dos Campeões Europeus!”.

Kaiser e Cruyff eram motivos de destaque. Cuidado com eles em Lisboa! Parece que ninguém ouviu. Cruyff apagou a Luz. Mas nada nunca apagará essa noite de fevereiro e a brancura da neve a medir-se com a brancura de uma exibição inolvidável.