Scorsese. “Fazer filmes é hoje um desafio tão grande como nunca antes na história”

Scorsese. “Fazer filmes é hoje um desafio tão grande como nunca antes na história”


O realizador norte-americano recebe amanhã o prémio Princesa de Astúrias das Artes


Martin Scorsese, que recebe amanhã em Oviedo o prémio Princesa de Astúrias das Artes, diz que já equacionou algumas vezes deixar de fazer filmes, porque aos 75 anos "tudo se torna mais lento". Mas a verdade é que está a atualmente a acabar o seu filme número 61, entre curtas e longas-metragens, "The Irishman", com um elenco de luxo que inclui Robert DeNiro, Al Pacino, Jose Pesci, Harvey Keitel, Anna Paquin e Jesse Plemons.

"Penso na maneira como são hoje feitos os filmes, as dificuldades financeiras, técnicas, as pressões do ponto de vista de produção, de orçamento. Pergunto-me qual o sentido de de pôr em marcha um mecanismo tão complexo para mostrar algo que para mim é fundamental e relevante, mas no fim será que é assim para os outros?", questionou Scorsese, numa conversa com a realizadora espanhola Isabel Coixet publicada no "El País".

Até porque "mover a câmara é maravilhoso", no entanto, "não sei se há algo mais que se possa dizer com o movimento da câmara, com uma grua ou com um drone ou cem drones". E como toda a gente "pode fazer qualquer coisa", "fazer filmes é hoje um desafio tão grande como nunca antes na história". 

Depois de "Hugo", a sua obra em 3D de homenagem a George Méliès, em 2010, achou que fechava bem a carreira. "'Hugo' satisfez uma parte de mim, uma parte apaixonada pela imagem e o passado. Quando terminei, disse: 'É o meu último filme'."

Só que não só não foi, como, desde aí, já fez vários, está na pós-produção de "The Irishman", tem outro filme, "Killers of the Flower Moon", sobre o assassinato de vários membros de uma tribo indígena nos anos 1920, e já está anunciada uma biografia sobre Theodore Roosevelt, com Leonardo DiCaprio no papel do presidente dos EUA.

"O Lobo de Wall Street", o projeto interessante e comercial de 2013, foi a sua contrapartida para filmar "o único filme que queria realizar verdadeiramente" depois de "Hugo": o "Silêncio", a adaptação do romance de Shuzako Endo sobre os padres jesuítas portugueses no Japão do século XVII.

É também um reflexo da indústria cinematográfica norte-americana e do cinema em geral, que um homem como Scorsese se veja obrigado a negociar sempre o seu próximo filme com a caução das bilheteiras da sua produção anterior. É por isso que, apesar de ser um amante da sala escura como o local propício à magia do cinema, "The Irishman" tenha sido feito com produção da Netflix e deva estrear no serviço de streaming.

"Os estúdios pararam de apoiar os cineastas, no meu caso, apenas a Netflix me apoiou", afirmou o realizador na conferência de imprensa em Oviedo. "Para onde vamos? Não sei. Devemos proteger o cinema, o ritual e a arte, contra os produtos de super-heróis ou quase de animação – que são um género próprio e estão bem, mas não é o meu cinema, aquele que quero preservar e gosto de restaurar", explicou. Esse cinema "também precisa de público e devemos convencer as pessoas a irem ver esses filmes. Eu preferia nas salas e não em casa, esse hábito deve ser encorajado o maior tempo possível."

Essa vontade de preservar, de garantir que a história do cinema não se perde, de ajudar outros realizadores a produzir os seus filmes entusiasma-o quase tanto como fazer os seus próprios: "Estou animado com muitas outras ideias, como produzir novos diretores, reastaurar películas", disse a Coixet.

Um dos seus grandes projetos dos últimos anos é aquele que resultou no World Cinema Project, que procura evitar que se perca o património cinematográfico de várias partes do mundo: "Restauramos e preservamos películas que, às vezes, já se davam por perdidas, em países em laboratórios, nem maneira, nem dinheiro para conservá-las. Películas de que apenas se conserva o negativo".

Criado em 2007, o World Cinema Project já recuperou até à data 35 filmes de África, Ásia, América Central, América do Sul e Médio Oriente.