Numa guerra, voltar para casa pode ser a parte mais difícil. Durante cinco anos, o sargento norte-americano Dwight Smith foi motivo de orgulho para a família e para a pátria. Serviu os Estados Unidos no Iraque e no Afeganistão e, com menos de 25 anos, recebeu a Purple Heart, uma condecoração militar por ter sido ferido durante o serviço militar. No entanto, os problemas começaram quando, em 2011, regressou a casa, no estado de Delaware, para visitar a família.
Numa manhã destinada à preparação do Natal, Smith atropelou a vizinha Marsha Lee, de 65 anos, que passeava o cão, a seguir levou a mulher no carro, dizendo que a levaria para o hospital. Era mentira. A viagem terminou num bosque das redondezas e o corpo de Marsha foi encontrado horas mais tarde sem roupa e com a cara desfigurada. O jovem entregou-se à polícia. Foi preso e em 2013, ainda a aguardar julgamento, escreveu uma carta ao pai, publicada pelo “New York Times”: “Vou ser honesto contigo, pai. Matei muitos homens e muitas crianças. Alguns nem fizeram nada para que eu os matasse, alguns pediram misericórdia. Eu tenho um problema. Acho que sou viciado em matar”. Quase no final da carta, o jovem reconhecia e implorava por ajuda. “Eu só não quero ser trancado sem ter qualquer tipo de ajuda. Realmente acho que preciso de estar num hospital psiquiátrico”, escreveu Smith.
Esta é apenas uma das inúmeras histórias de soldados que regressaram da guerra. Nem todas acabam da mesma forma, mas o fundo do problema é comum: perturbação de stress pós-traumático. Só nos Estados Unidos, mais de 70% dos soldados sofrem com as memórias da guerra.
A este problema psicológico chama-se transtorno de stresse pós-traumático, que inclui flashbacks dos combates, incapacidade de conviver em ambientes calmos, com família ou amigos, ou paranoia constante. As operações no Afeganistão levaram 1,5 milhões de soldados norte-americanos a sair das suas casas entre os anos de 2001 e 2007.
Desses homens, cerca de quatro mil ficaram em terreno afegão e, dos que regressaram a casa, cerca de 60 mil regressaram com vida, é certo, mas traziam morta a alma. Na guerra do Vietname, 15% dos soldados revela traumas causados pela guerra. Já no conflito com o Iraque, o número sobe para 30% e, um estudo divulgado em 2016 revela que 40% dos soldados que voltaram da guerra procuraram tratamento psicológico. A patologia gerada pelos traumas do campo de batalha, pelas lesões cerebrais causadas por pancadas, ou mudanças de pressão, pela explosão de uma bomba, por exemplo, podem culminar em histórias que podem ser semelhantes à de Dwight Smith ou em suicídio. A taxa de suicídio aumentou substancialmente entre jovens veteranos militares, de acordo com os novos dados do Departamento de Assuntos de Veteranos dos EUA, publicados este ano. A taxa de morte por suicídio dos veteranos com idades compreendidas entre 18 e 34 anos chegou a 45 por cada 100 mil habitantes no ano de 2016, um aumento face ao ano de 2015, onde a média foi de 40. A maioria dos grupos esteve nas guerras do Iraque e do Afeganistão, sendo que desde 2008, mais de seis mil soldados acabaram com a própria vida. Entre 2005 e 2016, a taxa de suicídio aumentou 25,9%. As mulheres que servem os EUA na guerra e que se suicidam quando voltam para casa, também são uma percentagem acima da média, com uma taxa de suicídio 1,8 vezes maior do que as mulheres que não têm uma vida militar. Ainda sobre números, 70% dos suicídios dos soldados são levados a cabo por uma arma de fogo.
Reconhecer é para fracos? As estatísticas também se fazem com os números daqueles que não querem procurar ajuda. Segundo os dados do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, 60% dos soldados que estiveram no Iraque e que tiveram sintomas de depressão e trauma pós-guerra, não procuraram ajuda, motivados pelo medo de prejudicar a sua carreira, ou de serem tratados de forma diferente. Este panorama, de vergonha e discriminação, remete para o princípio de todas as guerras, já que desde sempre se verificou que os soldados não são os mesmos quando regressam a casa. No século XIX acreditava-se que os veteranos tinham problemas porque estavam com saudades da guerra. Nada que um novo combate não resolvesse.
Neste momento, o assunto do stress pós-guerra é encarado com seriedade, como um problema que de facto existe. Sobre o drama vivido pelos soldados que regressam, o diretor executivo do grupo de veteranos dos EUA Amvets, Joseph R. Chenelly, concluiu que, “para evitar o suicídio de veteranos, devemos ajudar a reduzir o risco de suicídio antes que eles atinjam um ponto de crise e apoiar os veteranos que estão em crise. Isso requer a ampliação dos serviços de tratamento e prevenção e um foco contínuo em serviços inovadores de intervenção em crises”.
Nos EUA, já há vários planos de ajuda a soldados que voltaram da guerra e não conseguem encontrar a paz. O então presidente norte-americano, Barack Obama, assinou, em 2015 uma lei de prevenção de suicídios entre os veteranos de guerra que previa a criação de vários programas de apoio psicológico e psiquiátrico, iniciativas para facilitar a integração na vida civil e até um programa de bolsas para estudantes de Psiquiatria que trabalhem depois no Departamento de Veteranos.