Por estes dias, deambular pelas estradas que serpenteiam na serra de Monchique, mormente na área triangulada pela vila de Monchique e pelas cidades de Silves e Portimão, é uma dor de alma: terra calcinada, troncos carbonizados – sítios há em que ainda se sente cheiro a queimado –, escombros enfumarados aqui e além, desolação; ou então, onde o fogo não chegou, floresta desleixadamente desarrumada, denso matagal a emaranhar por entre os troncos nos eucaliptais a perder de vista. É o descaso prenunciador de desastre. Como se viu.
Segundo informação no local,
“o coberto arbóreo atual é principalmente constituído por sobreiros, pinheiros e grandes plantações de eucalipto para a pasta de papel”, e, de facto, o que salta à vista é que a serra foi espoliada da sua vegetação original, hipotecada ao lucro rápido e sem delongas ambientais. Dos castanheiros, dos sobreiros, dos medronheiros, dos azevinhos, das adelfeiras e outros rododendros, outrora abundantes, já quase só resta a lembrança. No alto da Foia – o ponto mais elevado do Algarve –, o olhar estende-se até ao mar, uma fímbria azul que contrasta com o mar de cinzas que alagou mais de metade da serra. Desolador!
Se não desolador, é pelo menos triste constatar que também o velho casario quase foi engolido por mamarrachos que rivalizam em altura e fealdade. A tradicional casa algarvia, branca, com os seus debruados coloridos e platibandas, ainda marca a paisagem nos aglomerados urbanos mais pequenos, nem por isso menos procurados pelos turistas mais exigentes que buscam a autenticidade dos lugares e não os carnavais de tipicidade duvidosa. Silves é disso exemplo: as ruas empedradas, por entre casas ajeitadinhas, sem espaventos, trepam em direção ao castelo de arenito avermelhado – grés de Silves –, primorosamente conservado e acomodado, não sem antes fazer vénia à sé, gótica, cuja construção só foi terminada no séc. xv.
Ademais, a costa algarvia é belíssima. As falésias xistosas erguem-se sobre o mar azulão, semitransparente nos baixios, e com pinceladas de verde- -esmeralda, abrigam nas reentrâncias pequenas praias em forma de concha ou resguardam amplos areais. Como nota final, em cada canto e esquina há buganvílias que explodem em golfadas de cor.
Se do Algarve e do fogo estamos conversados, passemos ao vendaval que assolou o país no fim de semana e deixou um rasto considerável de destruição, a tempestade Leslie, e um não menor rasto de espanto, a remodelação ministerial. Andava meio mundo a comentar, antecipadamente, o Orçamento do Estado de 2019 (OE) – que só deveria ser entregue na Assembleia da República até ao fim desta segunda-feira –, eis senão quando cai a notícia da queda de uns ministros e da entrada de outros. Para a adivinhação do OE muito contribuíram, obviamente, não só os tiques de triunfador dos partidos da situação – andaram a soltar notícias às pinguinhas –, mas também os da oposição, esses, então, todos virados para a antevisão catastrofista. Isto sem contar com os comentadores de serviço, prolixos como sempre. E vai daí, pela maciota, sai a reviravolta no governo e o assunto na ordem do dia mudou; o OE quase ia sendo remetido para as calendas gregas. Ora, é sabido que as políticas importam mais do que os titulares, goste-se ou não. E no OE estão refletidas. E nelas temos de atentar. A ver se o vento mudou.
Gestora, Escreve quinzenalmente