O presidente norte-americano, Donald Trump, referiu-se à possibilidade de terem sido “assassinos por conta própria” os responsáveis pelo desaparecimento (e possível morte) do jornalista saudita Jamal Khashoggi, de 59 anos. A especulação surgiu após o chefe de Estado ter telefonado ao rei saudita, Salman, para lhe perguntar se o reino estava envolvido no desaparecimento. “A negação foi muito, muito forte”, disse Trump aos jornalistas. “Parece-me que talvez tenham sido assassinos por contra própria. Quem sabe?”.
Ontem, estava marcada uma visita para recolha de provas pela polícia turca no consulado saudita em Istambul, na Turquia, para se apurar se Khashoggi terá sido torturado e morto no edifício. Horas antes, uma equipa de limpeza, com material e batas, entrou no consulado.
O jornal turco “Daily Sabah” avançou com a possibilidade de o relógio Apple de Khashoggi ter gravado o som do “interrogatório, tortura e assassínio no iphone e na cloud”. No entanto, a distância entre o interior do consulado e o iphone, que se encontrava no exterior, levanta dúvidas sobre essa possibilidade. “Parece muito mais provável que tenham [as autoridades turcas] outros meios para descobrirem o que andam a fazer os diplomatas estrangeiros e que seja uma história de encobrimento útil”, escreveu o analista de tecnologia Rory Cellan-Jones na BBC.
A breve conversa telefónica entre Trump e Salman foi uma tentativa de se evitar a escalada da tensão diplomática entre aliados próximos, depois de no domingo Riade ter ameaçado com “uma punição ainda maior” se fosse alvo de sanções por Washington. “O reino reitera a sua total rejeição de qualquer ameaça ou tentativa de o debilitar, quer através de ameaças de sanções económicas ou do uso de pressão política”, afirmou uma fonte oficial do reino à agência SPA, referindo ainda que a “economia saudita desempenha papéis vitais e influentes na economia global”. Um claro aviso sobre os riscos de um eventual aumento do petróleo nos mercados internacionais, relembrando o choque petrolífero de 1973, quando Riade (e a OPEP) o fez em protesto pelo apoio ocidental a Israel durante a Guerra do Yom Kippur.
O telefonema não foi a única ação para minimizar as tensões. Trump também ordenou ao secretário de Estado, Mike Pompeo, que se dirigisse “imediatamente” à capital saudita, segundo um breve comunicado do Departamento de Estado.
O líder da Casa Branca tem sido pressionado para cancelar o acordo de venda de armas a Riade, no valor de 110 mil milhões de dólares nos próximos dez anos, mas, no sábado, garantiu que seria “insensato” desfazer o acordo. “Apenas nos estaríamos a prejudicar”, afirmou à margem de um comício no Kentucky, referindo-se aos postos de trabalho que o negócio mantém. Mas nem por isso deixou, no mesmo dia, de enviar um forte recado ao seu aliado numa entrevista ao programa “60 Minutos”: “Vamos chegar ao fundo disto e haverá duras punições”, ainda que tenha acrescentado que “ninguém sabe” se responsáveis sauditas estiveram envolvidos no desaparecimento do jornalista. Ontem, Trump livrou Riade de qualquer responsabilidade.
Relembre-se que o reino está envolvido, desde 2015 e com o apoio tácito dos EUA, numa guerra no Iémen, precisando de armamento para a levar a cabo. Em troca do acordo, Riade mantém o preço do petróleo baixo, contribuindo para melhores condições na economia mundial. Além disso, a Arábia Saudita ganhou importância geoestratégica acrescida por Washington estar a tentar cortar o fornecimento de petróleo iraniano aos mercados internacionais, tornando-os completamente dependentes do petróleo saudita. O reino produz dez milhões de barris por dia, afirmando-se como o maior produtor mundial. Se decidir diminuir a produção diária ou aumentar o preço, a economia mundial irá sofrer, principalmente os EUA, que, por sua vez, caminham para as eleições intercalares de novembro. A subida do preço da gasolina em solo norte-americano poderá custar votos aos republicanos num momento de intensa polarização política com os democratas.
O petróleo sempre foi o principal instrumento da política externa saudita e Riade já o usou mesmo contra si em prol de outros objetivos. Nos últimos anos, desceu o preço do petróleo a pedido dos EUA, mesmo que o seu défice aumentasse. Em 2018, Riade disse estar confortável com o barril nos 81 dólares, quando as previsões de défice do reino apontavam para os 7,3% do PIB. Segundo o FMI, para que Riade pudesse equilibrar as suas contas públicas precisaria de vender cada barril entre os 85 e os 87 dólares.