O país dos extremos


A pergunta é: e agora, Brasil? E agora na segunda volta? Vamos assistir a uma reviravolta e uma união à esquerda e ao centro para ultrapassar Bolsonaro?


Quem conhece o Brasil e um pouco da sua história facilmente se revê no título deste artigo. O país do gigantesco fosso entre ricos e pobres, onde 5% dos mais ricos têm o mesmo que os restantes 95% da população. O país que, segundo o ranking da Desigualdade Social das Nações Unidas, está entre os dez mais desiguais do mundo. Mas este é o mesmo país que, em contrapartida, é porventura dos poucos países autossustentáveis do mundo. Tem tudo! Ou quase tudo!

Um amigo meu brasileiro dizia há dias com alguma piada que “se o Trump rebentar com o comércio mundial e acabar o comércio livre, nós estamos de boa!”. E tendo a concordar com ele, até porque, nos últimos anos, aquilo que o Brasil nos mostrou foi uma capacidade monstruosa de protecionismo económico sustentada no seu mercado interno.

Mas mesmo neste cenário de extremos e antagonismos, não esperava um resultado eleitoral como o do passado domingo. Independentemente das imensas análises e opiniões que ouvi (para todos os gostos e feitios), não consigo entender como é que um país vira de uma esquerda conservadora para um radicalismo de extrema-direita.

A volatilidade do eleitorado demonstrada neste sufrágio é, mais do que surpreendente, altamente preocupante.

Em democracia, quando respeitadas as regras, tudo é legítimo e, goste-se ou não de quem vença, foi a vontade do povo que decidiu o resultado.

A pergunta é: e agora, Brasil? E agora na segunda volta? Vamos assistir a uma reviravolta e uma união à esquerda e ao centro para ultrapassar Bolsonaro?

As comparações com Trump já vieram a público e, de certa forma, bem fundadas, uma vez que Bolsonaro recorreu ao mesmo estilo político de Trump: um discurso politicamente incorreto orientado para as forças sociais mais conservadoras. 

Até dia 28 vamos estar em suspense e ver se a segunda e a quarta maiores democracias do planeta alinham pelo mesmo estilo demagogo e perigosamente radical. Ver os dois monstros do continente americano alinhados numa mesma corrente política e perspetivar o que pode acontecer nos restantes países vizinhos é um exercício, no mínimo, assustador.

A América Latina ainda vive e sente hoje os resultados do jogo político de que foi alvo no último século. A luta entre regimes apoiada ora pela União Soviética ora pelos Estados Unidos deixou marcas profundas e ditou muitas clivagens que ainda hoje se sentem na região.

Qual será o impacto de Bolsonaro na geopolítica da região? Para mim, é uma incógnita, tal como o próprio candidato. Alvo de uma inqualificável agressão que seguramente acabou por lhe trazer benefícios eleitorais e lhe permitiu nem sequer participar no último debate televisivo, Bolsonaro marcou a agenda mediática com uma entrevista a solo, à mesma hora do debate, ofuscando por completo os restantes candidatos.

Nos tempos que vivemos, quase todas as eleições em quase todos os países do planeta têm importância e implicações a jusante. Neste caso, pelas ligações históricas e pelo número de imigrantes portugueses no Brasil e emigrantes brasileiros em Portugal, a importância é ainda maior.

Aguardarei com apreensão o desenrolar dos acontecimentos. Contudo, alguns dos comentários e intervenções de analistas que li não podem deixar de preocupar. Como o da professora de Ciência Política da Universidade de São Paulo Maria Hermínia Tavares de Almeida, que assinala “o risco de um governo civil autoritário com apoio militar”. A subida acentuada na bolsa de São Paulo é outro indicador surpreendente e sempre preocupante. A reação dos mercados é um sinal claro do que poderá vir a seguir. Sob a batuta de Paulo Guedes (um ultraliberalista radical) e com os resultados a apontarem para um apoio significativo de Bolsonaro no Congresso, a via fica aberta para as privatizações e a redução do peso do Estado na economia – um tema pouco ou nada debatido em campanha.

Parafraseando Manuel Oliveira, espero que os extremos não passem de esquerda e direita para democracia e ditadura.

Escreve à quinta-feira


O país dos extremos


A pergunta é: e agora, Brasil? E agora na segunda volta? Vamos assistir a uma reviravolta e uma união à esquerda e ao centro para ultrapassar Bolsonaro?


Quem conhece o Brasil e um pouco da sua história facilmente se revê no título deste artigo. O país do gigantesco fosso entre ricos e pobres, onde 5% dos mais ricos têm o mesmo que os restantes 95% da população. O país que, segundo o ranking da Desigualdade Social das Nações Unidas, está entre os dez mais desiguais do mundo. Mas este é o mesmo país que, em contrapartida, é porventura dos poucos países autossustentáveis do mundo. Tem tudo! Ou quase tudo!

Um amigo meu brasileiro dizia há dias com alguma piada que “se o Trump rebentar com o comércio mundial e acabar o comércio livre, nós estamos de boa!”. E tendo a concordar com ele, até porque, nos últimos anos, aquilo que o Brasil nos mostrou foi uma capacidade monstruosa de protecionismo económico sustentada no seu mercado interno.

Mas mesmo neste cenário de extremos e antagonismos, não esperava um resultado eleitoral como o do passado domingo. Independentemente das imensas análises e opiniões que ouvi (para todos os gostos e feitios), não consigo entender como é que um país vira de uma esquerda conservadora para um radicalismo de extrema-direita.

A volatilidade do eleitorado demonstrada neste sufrágio é, mais do que surpreendente, altamente preocupante.

Em democracia, quando respeitadas as regras, tudo é legítimo e, goste-se ou não de quem vença, foi a vontade do povo que decidiu o resultado.

A pergunta é: e agora, Brasil? E agora na segunda volta? Vamos assistir a uma reviravolta e uma união à esquerda e ao centro para ultrapassar Bolsonaro?

As comparações com Trump já vieram a público e, de certa forma, bem fundadas, uma vez que Bolsonaro recorreu ao mesmo estilo político de Trump: um discurso politicamente incorreto orientado para as forças sociais mais conservadoras. 

Até dia 28 vamos estar em suspense e ver se a segunda e a quarta maiores democracias do planeta alinham pelo mesmo estilo demagogo e perigosamente radical. Ver os dois monstros do continente americano alinhados numa mesma corrente política e perspetivar o que pode acontecer nos restantes países vizinhos é um exercício, no mínimo, assustador.

A América Latina ainda vive e sente hoje os resultados do jogo político de que foi alvo no último século. A luta entre regimes apoiada ora pela União Soviética ora pelos Estados Unidos deixou marcas profundas e ditou muitas clivagens que ainda hoje se sentem na região.

Qual será o impacto de Bolsonaro na geopolítica da região? Para mim, é uma incógnita, tal como o próprio candidato. Alvo de uma inqualificável agressão que seguramente acabou por lhe trazer benefícios eleitorais e lhe permitiu nem sequer participar no último debate televisivo, Bolsonaro marcou a agenda mediática com uma entrevista a solo, à mesma hora do debate, ofuscando por completo os restantes candidatos.

Nos tempos que vivemos, quase todas as eleições em quase todos os países do planeta têm importância e implicações a jusante. Neste caso, pelas ligações históricas e pelo número de imigrantes portugueses no Brasil e emigrantes brasileiros em Portugal, a importância é ainda maior.

Aguardarei com apreensão o desenrolar dos acontecimentos. Contudo, alguns dos comentários e intervenções de analistas que li não podem deixar de preocupar. Como o da professora de Ciência Política da Universidade de São Paulo Maria Hermínia Tavares de Almeida, que assinala “o risco de um governo civil autoritário com apoio militar”. A subida acentuada na bolsa de São Paulo é outro indicador surpreendente e sempre preocupante. A reação dos mercados é um sinal claro do que poderá vir a seguir. Sob a batuta de Paulo Guedes (um ultraliberalista radical) e com os resultados a apontarem para um apoio significativo de Bolsonaro no Congresso, a via fica aberta para as privatizações e a redução do peso do Estado na economia – um tema pouco ou nada debatido em campanha.

Parafraseando Manuel Oliveira, espero que os extremos não passem de esquerda e direita para democracia e ditadura.

Escreve à quinta-feira