Crónica sobre o autoelogio da mediocridade


Neste ano de 2018, em termos de crescimento, à frente de Portugal ficaram a Polónia, Hungria, Letónia, Roménia, Chipre, Eslováquia, Lituânia, Bulgária, Suécia, Áustria, Finlândia, Espanha e Holanda


Porventura um dos problemas mais endógenos e preocupantes da mentalidade do português médio – normalmente convencido de que se transcendeu e superou porque está colocado e lançado numa carreira política agarrada ao Estado, onde entrou novo num percurso obscuro de intriga palaciana, sucessivas traições, amnésias de percurso estratégicas e frequentes, infindáveis e pouco claras teias de interesses no domínio dos universos clientelares, normalmente ligados, primeiro, às associações de estudantes, concelhias, distritais, até finalmente conseguir um lugar elegível num círculo eleitoral onde foi sufragado em lotes onde normalmente nunca se sabe realmente quem era o segundo na lista – é aquela presunção idiota de que uma andorinha (com os devidos sound bites) se equivale a uma primavera, mas sobretudo, e pior ainda, a falta de ambição e mediocridade de desempenho como o padrão elogiável da excelência pessoal e de grupo.

Os exemplos são inúmeros, mas hoje, depois de ouvir Pedro Nuno Santos fazer o autoelogio do governo, em oposição ao que fez o governo anterior, não pude deixar de sentir – ao mesmo tempo que a morte de alguma (já muito pouca, quase nenhuma) esperança num desempenho melhor – também um fortíssimo sentimento de indisfarçável vergonha alheia pela presunção e ridículo em que o sr. secretário de Estado caiu.

Aparentemente, entende Pedro Nuno Santos que “está para vir o primeiro governo PSD com melhor défice”. Ao que parece, a sua declaração na íntegra terá sido: “Este governo investiu no Estado social, melhorou rendimentos e tem bons resultados na dívida e no défice. Está para vir o primeiro governo do PSD e do CDS-PP que tenha melhores resultados do que nós em matéria de défice orçamental.”

Celebram, ao que parece, estas afirmações o facto de o governo, rompendo com o que havia prometido anteriormente, ao invés de ter este ano, pela primeira vez, o prometido défice de 0%, pretender, segundo consta, inscrever nas metas do Orçamento para este ano um défice de 0,2%.

De todos os membros do governo possíveis para vir com esta bravata, não deixa de ser irónico e sintomático que seja Pedro Nuno Santos, o bloquista do PS, afinal o orgulhoso arauto da vertente neoliberal da obsessão do défice e das contas públicas saudáveis, quem pede meças à direita.

Por várias vezes já aqui tivemos oportunidade de referir (e para quem não dependa dos serviços públicos essenciais como os da saúde, educação, justiça e transportes, tal pode não ser um problema) que os sucessivos resultados apresentados por este governo a este nível são, no confronto com o passado, louváveis, necessários e bem conseguidos, sobretudo porque impõem aos partidos da esquerda radical as linhas dos tratados orçamentais que estes a contragosto engolem a cada Orçamento da geringonça.

Mas isto não impede, obviamente, que se aponte o facto indisfarçável de que, ainda que indo no bom sentido, isto está longe de ser um resultado espetacular para o país.

Não só porque no ínterim entre o último governo do PS e o golpe parlamentar em que Pedro Nuno Santos teve importante intervenção houve um resgate financeiro em que o PS e o governo onde também figuravam António Costa e tantos outros deste ungidos da governação do país que, além da troika, nos deixou um défice declarado na casa dos 8,5% e recessão generalizada.

Quando Costa e PNS receberam das mãos dos perdedores o país, receberam–no a crescer, com o desemprego a diminuir e um défice na casa dos 4%.

Ou seja, o PSD-CDS, agarrando no país falido pelos governos de Sócrates, Costa e Santos, entregou-o à coligação negativa com um défice, nas últimas contas, na casa dos 3,9%.

Em termos de evolução e dificuldade de entregar resultados – independentemente do valor nominal previsto para o ano, que é, apesar de tudo, tão notável quanto improvável, atentos os apoios –, perante um cenário de recessão que o PS instalara no país e por muito que custe a PNS admitir ou fazer o seu mea culpa, o PSD-CDS fez na legislatura anterior muito melhor que aumentar impostos e cativar despesa, para mais com a economia a crescer e o défice controlado.

É, aliás, a tal falta de sentido crítico e a mediocridade como forma de estar e sobreviver proferindo aleivosias para os incautos que permitem que PNS louve estes resultados como bons quando o défice de 2017, um dos piores da Europa, só é batido pela Espanha.

Note-se que na mesma conjuntura que Portugal, segundo o “Expresso”, “no ano passado, 12 Estados-membros apresentaram excedentes orçamentais: Malta (3,9% do PIB), República Checa (1,6%), Luxemburgo (1,5%), Suécia e Alemanha (1,3% cada), Holanda (1,1%), Bulgária (0,9%), Grécia e Croácia (0,8% cada) e a Lituânia (0,5%)”.

O PS que prometeu para 2019 défice 0% não vai conseguir, mas PNS segue orgulhoso desta mão cheia nada e celebra a mediocridade dos seus resultados, aliando ao triste dessa imensa soberba (e amnésia selectiva) a costumada demagogia de que este governo, diz, terá investido no Estado social, aquele cujo exemplo acabado costuma ser o cada vez mais moribundo SNS.

A referida política de aumento dos rendimentos das suas clientelas e os resultados baseados nas cativações, que PNS opta por calar, têm associados os serviços públicos fundamentais a funcionar pior do que durante o resgate, com hospitais em ruptura e pagamentos a fornecedores com prazos terceiro-mundistas, transportes ferroviários paralisados, linhas de comboio à beira da ruína e quartéis e paióis a saque, entre várias outras especialidades onde se destaca, também, o menor investimento público de sempre.

Aliado a isto, acrescentem-se-lhe recordes máximos da carga fiscal, aumento colossal dos impostos indirectos e novas tributações (lembremos o assalto à mão armada do imposto sobre os combustíveis), dívida externa absoluta em máximos históricos e crescimento económico anémico e em queda.

Neste ano de 2018, em termos de crescimento, à frente de Portugal ficaram a Polónia (5%), Hungria (4,4%), Letónia (4,2%), Roménia (4,2%), Chipre (3,9%), Eslováquia (3,9%), Lituânia (3,7%), Bulgária (3,4%), Suécia (3,3%), Áustria (3%), Finlândia (2,9%), Espanha (2,7%) e Holanda (2,7%).

Pedro Nuno Santos, perante estes números, em vez de pedir envergonhada desculpa por não aproveitar o momento histórico para a efectiva convergência, decide gabar-se da mediocridade para onde nos empurra. É a tal mentalidade poucochinha dos deslumbrados que invariavelmente acaba a celebrar o triunfo da mediocridade.

 

Advogado na norma8advogados

pf@norma8.pt

Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990