O melhor é não casar (ou o mais fácil)


Em 2017, ano que até foi considerado um bom ano para os casamentos, celebraram-se cerca de 33 mil matrimónios. Em 2000, o número quase se cifrava no dobro. Casamos cada vez menos. Porquê?


No palco entraram três casais para fazerem terapia conjugal. Cada um tinha os seus problemas, uns mais graves, outros mais frugais, mas em comum partilhavam a falta de comunicação entre eles e os segredos que cada um, individualmente, carregava todos os dias na sua relação.

As três mulheres em cena tipificavam três modelos fáceis de identificar: a feminista e emancipada, segura de si e do seu papel no casamento, e, por isso mesmo, exigente com o seu marido; a submissa e atormentada, que acumula anos de desconsideração e abandono, e que não conhece outra realidade, senão a mesma que vive há décadas e há-de continuar a viver; e a enérgica, jovem e desempoeirada que pode tudo, transpira independência, mas que, na verdade, é insegura e esconde um passado de maus-tratos infligidos numa relação anterior e, por essa razão, receia demonstrar as suas fragilidades na relação atual.

O tema central é o casamento e a dinâmica que envolve uma relação duradoura entre duas pessoas que num determinado momento juraram amar, respeitar e fidelidade uma à outra, para todo o sempre. Quando este momento ocorre na juventude, o “até que a morte nos separe” pode ter um peso sufocante que, na generalidade, se traduz em dúvidas antes de dar o grande passo sobre a nossa capacidade de levarmos a cabo uma tarefa que parece tão simples, se não tiver a duração de toda uma vida. Não é difícil amarmos alguém: temos à nossa volta várias pessoas que nos merecem este sentimento e que nos despertam a vontade de as guardarmos no coração (pais, filhos, amigos), mas daí a passarmos a amar todos os dias a mesma pessoa, até ao fim dos nossos dias, à medida que a vamos “descascando” e descobrindo a sua natureza mais profunda, é um desafio.

O casamento é isto mesmo: uma prova à nossa personalidade, à nossa vontade e ao compromisso que assumimos quando trocámos as alianças e sonhámos com uma vida a dois, que mais tarde se poderia tornar numa vida a três, a quatro, a cinco, e por aí fora. Atualmente, a descrição que acabei de fazer não encontra a correspondência que já teve no passado. Hoje, os jovens casais preferem viver juntos antes de decidirem casar, e, mesmo assim, o casamento não está obrigatoriamente nos seus horizontes. Em 2017, ano que até foi considerado um bom ano para os casamentos, celebraram-se cerca de 33 mil matrimónios, sendo que em 2000, o número quase se cifrava no dobro. Casamos cada vez menos. Porquê?

Teremos deixado de acreditar na instituição do matrimónio? Ou estaremos somente mais individualistas, mais centrados nas nossas aspirações, nos nossos desejos, na vontade que temos de alcançar os nossos sonhos, dispensando partilhar esse caminho com outra pessoa, até lá chegarmos?

Estamos no tempo em que todos os dias somos bombardeados com mensagens, como: “tu és capaz”, “segue o teu caminho”, “segue o teu coração”, como se o coração não estivesse sujeito a flutuações sentimentais, que oscilam na intensidade ao sabor das dinâmicas relacionais. Passámos a acreditar que não há felicidade em estar só com uma pessoa toda a vida, que isso não nos traz as experiências que merecemos viver, que é redutor perante a amplitude das variáveis possíveis, que perante as primeiras adversidades não devemos insistir, perdendo esse tempo. E há dias, meses e até anos em que estes sentimentos podem aflorar à nossa pele, derrotando todos os nossos sonhos e puxando-nos para terra, para a nossa individualidade, para quem somos e para o que honrámos no dia do “sim”.

Os números estão aí: por cada 100 casamentos, ocorreram 64 divórcios. Por cada duzentas pessoas que acreditaram no casamento, 128 terminaram o seu contrato nupcial, em média, após 14 anos. As razões são sempre ambíguas porque “dentro do convento, sabe quem está lá dentro”, mas para a decisão concorrem, sempre, preocupações de natureza financeira, retardando ou antecipando a tomada de decisão, consoante as condições.

O que pode falhar num casamento? Dinheiro, não parece ser uma opção viável, até porque muitos jovens casais começam de raiz as suas vidas, após saírem de casa dos pais. Rotinas, falta de romance, desentendimento na educação dos filhos, simplesmente porque um dia acordam e já não se reveem na pessoa que está ao seu lado, ausência prolongada mesmo quando presentes… tudo isto se pode resumir a uma grave e prolongada falha no diálogo entre duas pessoas, que pela sua inexistência vai permitindo que todos os ruídos atrás elencados, assumam uma preponderância na vida a dois que leva ao silêncio mortal da relação. Numa era em que comunicamos com tudo e com todos, a toda a hora, tendemos a esquecer-nos de quem está ao nosso lado e a privilegiarmos a sua presença. Estamos sempre muito ocupados a responder a meio mundo e a contar com a tolerância (ou indiferença) do outro que está mesmo ali, ao nosso lado. Educamos os nossos filhos neste ciclo familiar, o mesmo que irão reproduzir quando forem responsáveis pela estrutura e construção das suas famílias. Assistimos e contribuímos para o colapso da família, enquanto construção primária da sociedade, à medida em que vamos assimilando valores individualistas que destroem os laços comunitários.

A peça de teatro não terminou com um final feliz, à semelhança de muitos casamentos, nem tão pouco seria desejável que, depois de se conhecer a história daquela mulher em palco, se lhe pudesse exigir que acreditasse e se empenhasse na sua relação; mas quantos casamentos não terão terminado porque não houve empenho, não houve um sofrimento suado para alcançar o outro?

O casamento é isto mesmo: um desafio a nós próprios. Se nos desafiarmos todos os dias, superamo-nos e sentimos que passamos a ser mais quando nos entregamos. Pode não ser fácil, mas pode ser a viagem da nossa vida…

 

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