Os próximos 10 anos


Portugal é dos poucos países no mundo que, face ao tamanho e à homogeneidade territorial, possibilitam uma descentralização tecnológica de fácil concretização


Ontem foi anunciado pelo primeiro-ministro e pelo presidente da Câmara de Lisboa a extensão da realização da Web Summit por mais dez anos em Lisboa. Apontamos para o horizonte 2028 que, ao contrário do que possa parecer, está já ali ao virar da esquina. A velocidade com que vivemos os dias de hoje não dá muito tempo para chegarmos a essa data e, sobretudo, não temos muita margem de manobra para aproveitar com eficiência e efetividade as oportunidades que este evento pode trazer para o país.

A meu ver, como aliás referiu o primeiro-ministro, devemos ancorar-nos neste evento pelo potencial estratégico que representa. Muito para lá do retorno direto em receitas fiscais e turismo, devemos olhar para ele como uma amarração para desenvolver uma estratégia integrada da qual possamos retirar os verdadeiros resultados que o seu potencial encerra.

Como? Não é fácil e haverá certamente ideias para tudo e para todos os gostos. Contudo, na minha opinião e com base na experiência de quase 20 anos no setor das comunicações, há um fio condutor e de amarração que não pode ser ignorado e que seguramente terá grande impacto na forma como poderemos tirar partido desta iniciativa.

E que fio é esse que pode acelerar os resultados dos próximos dez anos de Summit: claramente, o setor das TIC. Mas o setor como um todo e, sobretudo, como plataforma transversal e integrada de condições que permitam alavancar outros setores de atividade. O maior erro seria concentrar todos os esforços apenas ali, desligando-os dos restantes setores de atividade e isolando o seu contributo para o desenvolvimento estruturado da agricultura, serviços, turismo ou indústria.

As TIC são hoje um universo em expansão e longe ainda de se compreender qual o seu verdadeiro alcance. Contudo, existem algumas premissas que são incontornáveis para quem pretende fazer deste setor o motor do desenvolvimento económico de um país e, claro está, tirar partido da digitalização da economia.

O objetivo último será sempre esse: aproveitar o potencial da economia digital. Mas para tal não basta organizar conferências, atrair empreendedores ou criar condições básicas para o estabelecimento de startups no nosso país – e sublinho no nosso país, e não apenas nos grandes centros urbanos de Lisboa ou Porto.

Como podemos então aproveitar esta boleia?

Das muitas iniciativas que podem ser desenvolvidas, apresento para já três que me parecem incontornáveis.

A primeira prende-se com o ambiente regulatório e concorrencial do setor das comunicações eletrónicas: para onde queremos caminhar e o que pretendemos do setor para garantir as melhores condições para o desenvolvimento das comunicações que, em última análise, serão o motor da economia digital.

A segunda, descentralizar territorialmente os hubs do desenvolvimento tecnológico, aproveitando os futuros investimentos em infraestruturas para criar condições de estabelecimento de polos de investigação e criação de tecnologia de ponta e disruptiva por todo o país. Ligar a este ponto uma reforma da educação e investigação é também essencial.

Por fim, a base de sustentação da economia digital, que são as infraestruturas de ligação internacionais (sejam cabos submarinos, sejam satélites) que assegurem as melhores, mais rápidas e viáveis interligações internacionais – de Portugal ao mundo.

Difícil? Certamente! Exequível? Sem sombra de dúvidas.

Quanto ao primeiro ponto, é preciso entender e preparar as novas gerações de comunicação que se aproximam. O que queremos do 5G? Em primeiro lugar, percebermos para que serve e de que forma devemos implementá-lo. Queremos apostar em IoT, IA, M2M? Faz sentido um lançamento em larga escala? Têm os nossos operadores, mais do que capacidade, vantagens em dar o salto para o 5G, quando ainda temos muito 4G para rentabilizar? Fará sentido apostar num lançamento faseado e regionalizado que acompanhe as estratégias dos outros dois pontos acima identificados?

No que diz respeito ao segundo ponto, Portugal é dos poucos países no mundo que, face ao tamanho e à homogeneidade territorial, possibilitam uma descentralização tecnológica de fácil concretização. As redes viárias dominaram os investimentos nos últimos 20 anos. Agora, as infraestruturas ferroviárias e aeronáuticas necessitam de acompanhar esse desenvolvimento. Planear e estruturar esses investimentos, conjugando-os com a descentralização de novos hubs tecnológicos, será fulcral. Identificar os mesmos com os diferentes pontos fortes de cada região é um exercício incontornável se quisermos criar um verdadeiro centro de economia digital no nosso país. Sines, Covilhã, Aveiro, Elvas, Évora, Faro, Braga ou Beja têm potencial humano e características únicas que poderão servir de suporte à fixação de hubs tecnológicos de ponta. Um pequeno exemplo: o futuro passa pela computação quântica. Não teremos nós capacidade para atrair para um destes pontos um hub desta natureza?

Por último, o incontornável tema das ligações internacionais, em tempos um monopólio da Marconi, hoje, uma manta de retalhos que se vai desfazendo a cada ano que passa. É fundamental definir uma estratégia clara para voltar a colocar Portugal no centro do mapa das ligações internacionais e assegurar homogeneidade e integridade nacional. Não só não sobreviveremos sem essa autonomia como hipotecaremos qualquer esperança de criar em Portugal uma economia desenvolvida e digital. Um tema abrangente e que deve centrar atenções, não apenas na componente de cabos submarinos, mas também na sempre esquecida política espacial.

Nos próximos dez anos, o que espero é que a Web Summit seja apenas um pretexto para que Portugal possa, verdadeiramente, tornar-se uma economia digital.

 

Escreve à quinta-feira