Fazer tudo pelos animais. Mudanças de casa, criação de associações  e perda de amigos

Fazer tudo pelos animais. Mudanças de casa, criação de associações e perda de amigos


No dia Mundial do Animal, o i falou com quatro pessoas que, além de adorarem animais, os encaram como família e dedicam grande parte das suas vidas ao bem-estar destes companheiros de quatro patas. Milu, Maria Cândida, Madalena e Maria Eugénia não se importam com as alcunhas que vão ganhando por ajudarem os animais -…


Quando cuidar de animais é uma "vocação"

Aos 60 anos, Maria Eugénia tem uma profissão em vias de extinção e uma vida dedicada aos animais. Há quem não consiga perceber a sua dedicação aos amigos felinos, mas essa é uma questão que não a preocupa: o importante é sentir que faz a diferença.

“Em casa tenho vários gatos e um cão. Este gosto surgiu quando era criança, na minha família gostámos sempre muito de animais. Fui criada com eles”, começa por contar esta tradutora e revisora, que concilia a vida profissional com a coordenação do MEG – Movimento Esterilização de Gatos de Lisboa.

Mas o MEG, ao contrário do que se possa pensar, não é uma associação. Em 2015, um grupo de voluntários, informal, decidiu que, para combater o abate, a solução passava pela esterilização dos animais de rua. Pode parecer uma solução simples… Mas que de simples não tem nada: Maria Eugénia confessa ao i que é uma tarefa que requer muita dedicação e, sobretudo, muito tempo. “Consigo conciliar tudo com muita dificuldade. Trabalho a tempo inteiro e todos os momentos fora do emprego dedico ao MEG, aos animais. Facilita o facto de viver sozinha e ao mesmo tempo colide com a atenção que eu devo ou devia dar à minha família e aos meus amigos. Alguns até se afastaram, mas é a minha vocação, encaro isto com espírito de missão”, contou.

Do núcleo de formação do MEG são muito poucos os voluntários que permaneceram, vencidos pelo cansaço. Por isso, com a falta de voluntários, os mais consistentes “têm de dar cada vez mais de si”. “Arranjar voluntários é um dos nossos principais problemas porque muitas pessoas inscrevem-se, perguntam o que fazemos, dizem que sim, mas nunca aparecem, ou aparecem uma vez e deixam de o fazer”, disse.

Maria Eugénia confessa ainda que há pessoas que encaram a sua dedicação pelos animais “com preocupação” e conta mesmo que houve pessoas que a mandaram “tratar-se”, apelidando-a de ‘maluquinha dos gatos’. Mas a revisora garante que a resposta a estas situações é simples: “Acho que quem diz não estar preocupado com os animais não percebeu que há espaço para tudo – é humano e civilizado preocuparmo-nos com eles. Se as pessoas se preocupam muito com os outros seres humanos, irão ajudá-los. Eu ajudo animais, porque me preocupo com eles e também com as pessoas – são várias as que me procuram por estarem preocupadas com animais”, explica.

Mudar a vida por eles

Madalena Lacerda tem 47 anos e garante que em criança sempre quis ter animais, mas que os pais não deixavam. Quando mostrou ser uma jovem responsável, conseguiu autorização para ter o primeiro animal. Depois, outro apareceu-lhe à porta e Madalena “teve de o resgatar”. A partir daí, nunca mais deixou de os ter.

“Tenho seis cães e faço parte da lista das famílias de acolhimento [do Grupo dos Amigos dos Animais da Figueira da Foz – GADAFF]. Por isso, tenho sempre mais um ou dois hóspedes, não mais do que isso”, começa por contar ao i, acrescentando que estes requerem muito tempo. Apesar disso, não lhe falta “disponibilidade para lhes dar atenção”.

Na vida de Madalena, os animais não são apenas uma companhia, nem tiveram de se adaptar às rotinas da dona. Na verdade, aconteceu tudo ao contrário: a própria Madalena mudou a sua vida para continuar com os cães. “Há pouco tempo morava num apartamento, tinha quatro cães, e todas as semanas os levava a um campo de treinos, pelo menos duas vezes, para correrem e brincarem. Entretanto, mudei-me para uma moradia por causa deles”, diz ao i.

Acrescenta que o gosto pelos animais prende-se com a sua “pureza”: “Sempre gostei muito de cães e acho que é verdade que realmente existe uma diferença dos animais para as pessoas: temos tudo deles, não temos de dar nada em troca, são puros e eu sinto-me muito bem com eles, são o meu escape”, confessa.

Foi por gostar tanto dos companheiros de quatro patas, que, juntamente com um grupo de amigos, fundou, há três anos o GADAFF, da qual é vice-presidente. “Tirávamos animais do canil e preparávamo-los para serem adotado”, explica Madalena. No entanto, a falta de apoios tem dificultado o desenvolvimento deste projeto: “Estamos a construir o espaço, mas não há ajudas e é muito difícil continuar. Um animal dá muita despesa e 80 animais ainda mais”, desabafa.

Quanto à forma como os animais são hoje vistos pela sociedade, Madalena Lacerda também acha que a “mentalidade da população portuguesa não está ao nível da de certos países”. E, apesar da criação de leis dirigidas para os animais, “não há condições para estas serem aplicadas”.

“Tudo deveria começar na sensibilização, começar a casa pelos alicerces e não pelo telhado. Para algumas pessoas os animais são coisas. Muitas vezes, as pessoas estão chateadas e descartam no animal”, conclui.

Quem gosta de animais "Tem de ter uma pancada"

Ser tratada por “velha dos gatos” podia ser uma ofensa para muitas mulheres, mas para Maria Cândida Ferreira acaba por ser a alcunha que melhor a define. O seu amor por animais sempre existiu, mas foi ganhando um novo balanço com o avançar da idade: “Com o tempo é que me fui afeiçoando mais aos animais, não sei se a idade faz com que as pessoas fiquem mais sensíveis”, afirma ao i.

Hoje, aos 66 anos, alimenta e cuida de todos os gatos que apareçam nas imediações da sua casa. “Tudo começou porque nas traseiras do prédio onde moro havia 60 gatos, uma vizinha dava de comer, eu dava de comer, uns morriam, outros reproduziam-se”, começa por contar, acrescentando que, a determinada altura, eram tantos animais que deitou “mãos à obra” e, “sozinha”, com “dinheiro do próprio bolso”, começou a levar os animais a um veterinário para serem “esterilizados e castrados”. Agora, com um programa da Câmara Municipal de Lisboa, tudo se tornou mais fácil e Maria Cândida leva aos animais ao canil de Lisboa.

Mas nem tudo são rosas: “Já tive vários problemas com as minhas vizinhas, mas elas veem que eu não desisto”, explica.

Numa altura a reprodução dos felinos não estava tão controlada, Maria Cândida chegou a comprar 100 quilos de ração por mês. Hoje, com as coisas mais controladas, compra “30 quilos porque gosto de lhes dar todos os dias. Já não sei o que faria no tempo que passo a cuidar dos animais. Não são meus, mas limpo a rua, meto roupas nas caminhas e coloco água limpa” como se fossem, conta.

Maria Cândida garante que a “ideia do mundo estar voltado para o bem-estar animal é ‘fogo de vista’ e que este ano houve mais abandonos de animais”. Para além disso, com a situação atual do alojamento na capital, “muita gente fica dois, três meses numa casa e tem de mudar, acabando por abandonar os animais”.

“Quem gosta de animais é maluco, tem de ter qualquer pancada”, diz Cândida, entre risos. A verdade é que toda a ajuda que dedica aos animais e o gosto pelos mesmos não surgiu por falta de companhia, mas por sentir que estes “nos retribuem tudo o que lhes damos, ou ainda mais”. Maria Cândida confessa ainda que passou o gosto pelos animais para os filhos e que também eles fazem questão de ter alguns em casa.

Começou por resgatar um cão, agora cuida de 800

Emília Silva, ou Milu como é carinhosamente tratada, tem 60 anos e é apaixonada por animais desde os quatro anos. Quando vivia em Angola, Milu “tinha cães, gatos, um borrego e até uma cabra”. Depois do 25 de Abril, já em Portugal, continuou a ter uma paixão pelos ‘amigos’ de quatro patas, mas a verdadeira história começa já na idade adulta, no centro de Lisboa, mais precisamente no Marquês de Pombal, quando encontrou uma cadela. A partir daí “foi um acréscimo de animais”.

“Eu sempre gostei muito de animais, ia apanhando-os e levando-os para casa. Primeiro vivia num apartamento e tinha quatro ou cinco cães, depois começou a ser mais complicado – trabalhava por minha conta e levava os animais comigo para o trabalho, mas era difícil conciliar tudo. Por isso, comprei uma moradia e acabei por ter em casa mais de 12 cães”, explica Milu ao i.

Mas, mesmo assim, o espaço não era suficiente: acabou por comprar um terreno com uma casa e, a partir daí, foi somando histórias de acolhimento. “Comecei a pensar que havia muitos animais abandonados em Portugal. Cheguei a ter entre 80 a 100 animais”, diz.

Os problemas começaram a surgir quando as autoridades alertaram Milu para o facto de ter demasiados animais para um particular – foi a própria polícia que sugeriu a criação de uma associação “para evitar problemas”.

Seria difícil imaginar que a partir de algo tão simples surgisse o chamado ‘Cantinho da Milu’, no Vale da Abrunheira, em Setúbal, e que lá estivessem alojados mais de 800 animais, depois de nove anos de existência.

A paixão pelos animais é notória, mas esta mulher de 60 anos sente que precisava de uma outra atividade profissional: “Os animais estão 24 horas comigo e todos os dias precisam de comer, têm de ir ao veterinário. Neste momento, estou inteiramente dedicada à associação, não tenho outra atividade. Infelizmente, sei que precisava [de outra profissão], mas não consigo”.

Para Milu, o comportamento dos cidadãos perante os animais não evoluiu. Apesar das leis que têm sido aprovadas, Milu confessa que se sente “frustrada” sobretudo devido ao abandono: o verão deste ano foi o “pior” que se recorda “em termos de abandono”, conta ao i.

Relativamente ao facto de muitos considerarem que ter tantos animais “é uma loucura”, Milu garante que lhe “é indiferente”, porque, no final de contas, os animais são as personagens mais importantes desta história.