Nunca votaria num Bolsonaro qualquer, mas não tenho voto na matéria no Brasil.
Não deixa de ser fantástica a capacidade de indignação e de mobilização, sobretudo digital, que se revela sobre questões internacionais, contrastando com os défices de envolvimento cívico na gestão da coisa pública local, regional e nacional.
Há mesmo quem esgote toda a sua energia de intervenção nestas questões fraturantes ou internacionais, para depois se apresentar esgotado, resignado e amorfo em tudo o que diz respeito à realidade portuguesa e europeia, em que estamos verdadeiramente inseridos e temos voto na matéria. É assim que assistimos a contradições, a meias-verdades, a mentiras e a inacreditáveis situações de injustiça, de irresponsabilidade e de ligeireza no exercício de funções públicas ou no funcionamento da sociedade, sem que existam serviços mínimos de escrutínio e de indignação popular. Somos muito fortes a verbalizar indignações, mas fracos a ser consequentes na sustentação da participação. É por isso que a democracia representativa e a democracia participativa apresentam índices de participação tão baixos.
E depois há os que, em função das afinidades ideológicas, políticas, mediáticas ou de oportunidade, permitem que as suas convicções sejam aprisionadas ou endeusadas ao ponto de agirem em relação ao Brasil, aos Estados Unidos da América ou a Angola, mas preservarem os regimes políticos da Venezuela, de Cuba ou da Coreia do Norte de qualquer acervo de indignação. Sem pudor, os mesmos que invocam a reserva de soberania para dar cobertura a regimes políticos desfocados do essencial – as pessoas –, não hesitam em pronunciar-se em questões que, por mais interessantes que sejam, são os nacionais desses países que vão decidir. Num ápice, todos são muito pelos princípios e pelos padrões civilizacionais desde que não mexam com os seus parceiros e referências internacionais. São curiosamente os mesmos que numa legislatura aprovam todos os Orçamentos e validam todas as políticas, mas nunca assumem as responsabilidades políticas das opções. Os que dizem uma coisa em São Bento e outra no território. Os que enunciam posições políticas populistas e pseudopopulares e depois se esbarram com as realidades dos Robles desta vida.
Da mesma forma que os princípios e os valores são usados em função dos interesses particulares e das circunstâncias, como se viu em vários momentos, à esquerda e à direita, não há um pingo de vergonha na cara em dizer uma coisa e o seu contrário. A contradição é que, num mundo tão globalizado e com tanta profusão de informação e de contrainformação, são demasiados os que se demitem de se indignar cá dentro, para exercitar uma indignação globalizada no limiar da inconsequência. Pode afagar a consciência individual e ser bem mas, do ponto de vista comunitário, é cívica e politicamente uma nulidade.
É por isso que dizemos que ele não, mas àqueles que persistem num exercício político sem coerência, sem sustentabilidade e sem sentido de futuro, também não.
Nenhuma indignação com os Bolsonaros alheios vai resolver os nossos problemas estruturais, as faltas de investimento, as cativações e as opções políticas que são empurradas com a barriga para melhores circunstâncias. Aliás, não deixa de ser inacreditável que, com tamanha abertura ao exterior para exercitar indignações, não se perceba que a exposição do país aos riscos internacionais é excessiva. Não nos mobilizarmos para reduzir essa exposição, com coragem política e sentido de sustentabilidade e de futuro, ainda nos vai sair muito caro. Por exemplo, sabemos dos impulsos que o novo presidente de Angola está a concretizar no seu território: estão acautelados os impactos das ondas de choque da nova deriva nos investimentos angolanos na economia portuguesa?
Uma vez mais, parece que há mais geometria variável do que convicções, valores e princípios.
Ele não! Aquele também não, mas no que verdadeiramente conta para a nossa comunidade e para o país! Em 2019, nas eleições para o Parlamento Europeu e para a Assembleia da República, com voto na matéria. O resto é pouco mais que uma inconsequente liberdade de expressão, em matérias em que o nosso voto não conta além de um esboço de pressão política ou mediática. É poucochinho.
NOTAS FINAIS
Não. As esdrúxulas prioridades políticas do PAN em esforço de alimentação dos nichos de mercado eleitoral conduziram–nos agora a apresentar um projeto legislativo que se imiscui no ato médico. Querer proibir que os médicos prescrevam ritalina a crianças com menos de seis anos de idade que apresentem sinais de hiperatividade e défice de atenção é como se qualquer um pudesse prescrever medicação para os animais, e não apenas os veterinários. Para quem faz leis e aprova Orçamentos, convinha maior atenção às causas dos problemas e menos ao folclore.
Nim. Enquanto a dívida das autarquias desceu 8,3% em 2017, a dívida pública cresceu para 249,3 mil milhões de euros em agosto de 2018. É mais um sinal contraditório das dinâmicas que existem na sociedade portuguesa.
Sim. Mesmo sem se saber da fatura, é positivo que a Web Summit, o maior evento de tecnologia e empreendedorismo do mundo, continue a realizar-se em Lisboa. Como será importante que o evento tenha cada vez mais descentralizações por todo o território nacional onde as tecnológicas desen-volvem trabalho e valorizam as economias locais. Aliás, com a descentralização ainda a marinar mais do que devia, em final de legislatura, é bom que o Orçamento de Estado para 2019 tenha muito mais de concreto sobre a enunciada vontade política de valorizar o interior.
Escreve à quinta-feira