Não é que seja em absoluto impossível encontrar tão bons e, em tão pouco tempo, tão profundamente caricatos episódios como aqueles que nos foram oferecidos nos últimos dias.
Há, porém, um problema: é que, em qualquer dos casos, a crescente galhofa que o país nos oferece depende muito do ser, ou não, verdade aquilo que os factos parecem deixar intuir desabrida e acintosamente.
Era um comentário comum que se fazia, em jeito de piada, à organização política italiana, a constatação mais ou menos fundada de que o Estado italiano funcionava e se mantinha funcionando apesar dos governantes periodicamente eleitos.
Pode ser nesta linha que o actual governo, mais do que fé – aliás, mesmo já no âmbito da fezada –, aparenta estar crente de que o Estado português, também ele, poderá resistir e funcionar sozinho apesar dos seus ministros.
Já sabíamos que este governo tem a particularidade de o seu Ministério das Finanças laborar arduamente, não para o regular funcionamento dos serviços de todos os demais ministérios, mas antes, apenas e só para garantir mínimos (porventura em muitos casos já muito para lá dos limiares da decência) do funcionamento dos serviços públicos indispensáveis já na fronteira com a ruptura técnica, cativando verbas que depois usa para saldar parte da gigante dívida que praticamente os mesmos colegas de governo deixaram por cá na última legislatura do PS, quando um desagradável e inoportuno resgate internacional quebrou, com os espectaculares resultados que conhecemos, o ciclo hegemónico lançado pelo Presidente Sampaio quando dissolveu o parlamento e o ofereceu ao memorável sr. Sócrates.
Ora, não cremos que seja exactamente esta a dimensão do antigo exemplo italiano e também não era exactamente com esta questão que estávamos a contar quando nos referíamos a novos e recentes episódios anedóticos.
É que aquela ideia de que as instituições que funcionam bem podem prescindir da chefia de um governo implica vários pressupostos que os partidos, no assalto ao aparelho do Estado, destruíram. Recorde–se, já que estamos em Outubro, o que fizeram à Protecção Civil e suas nomeações, e os desastres que vão fazer um ano, e perceba-se a dimensão do problema de que estamos a falar.
Relembre-se, e aqui com a profunda dor que essa opção trágica custou, o que foi o mandato da anterior MAI, que o PM fez questão de aguentar até aos limites do insuportável.
Olhe-se agora para a tragicomédia da semana, da pessoa a quem chamam ministro da Defesa, que perante esta estocada mortal na instituição militar e na sua polícia judiciária privada, e o estranhíssimo fedor que se sente pela estrutura militar acima, parece ter consentido e querido esta palhaçada, e reconheça-se que, infelizmente, a quantidade de incapazes que o aparelho do Estado alberga torna a referida estrutura incapaz de redenção.
Situação que não melhora quando, perante este cenário de horror generalizado, de armas de guerra roubadas, de elaborados esquemas de obstrução à justiça e sua denegação, à nossa memória vem a ideia sempre actual, pronta e informada do ministro da Defesa que, temos a certeza, neste momento ainda tem dúvidas sobre se o tal roubo, de que se vão sabendo estes muitos pitorescos detalhes, aconteceu…
Reconforta-nos, porém, o nosso PM ao garantir-nos que ao exmo. sr. não se pede que fique de guarda aos paióis. Intriga-nos, porém, saber se, não sendo para isso, o sr. PM, afinal, sabe exatamente para que serve este MD.
É que a PJ Militar está sob a sua dependência, e os paióis, que já se sabe que o MD não guarda, estão sob a sua tutela, pelo que se já então as dúvidas sobre o que se passou eram inadmissíveis, neste momento, a cadeia de acontecimentos é entre o surreal e o inacreditável.
Já a manutenção em funções (?) do ministro da Defesa é do domínio da transcendentalidade e da tal fezada.
Como Nero a ver Roma a arder, Azeredo Lopes assiste, alheado, ao estertor do Exército, sem uma ideia e, também ele, sem redenção.
Advogado na norma8advogados
pf@norma8.pt
Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990