Benfica-FC Porto. O mar vermelho foi ficando cada vez mais azul

Benfica-FC Porto. O mar vermelho foi ficando cada vez mais azul


Depois do título de 1959, com Guttmann, o FC Porto só voltou a ser campeão em 1978, com Pedroto, que tinha sido dispensado pelo mesmo Guttmann. A hegemonia do Benfica ia-se perdendo depois das décadas impressionantes de 60 e 70. Uma nova ordem surgia no futebol português. Iria modificar-se nos últimos dez anos


Continuação da edição de ontem

A mudança de Béla Guttmann do Porto para Lisboa marcou profundamente a história dos dois clubes. O húngaro era, decididamente, um técnico avançado para o seu tempo e o trabalho que tinha feito nas Antas foi notável. De tal forma que os portistas teriam de esperar nada menos de 18 anos para voltarem a ser campeões nacionais. Entretanto, o Benfica sob o seu comando não passou apenas a dominar o futebol português como venceu por duas vezes a Taça dos Campeões Europeus.

No dia 6 de dezembro de 1959, o Benfica (já de Guttmann) recebeu na Luz um FC Porto abalado por tudo o que acontecera na sua estrutura e ainda periclitante na sua fase de adaptação a novas filosofias de jogo. Disputava-se a décima jornada e os portistas já tinham sofrido quatro derrotas e vegetavam pelo meio da tabela, fazendo pouco jus ao seu título de campeões. Ninguém acreditava noutro resultado que não a vitória dos encarnados e foi isso que aconteceu. José Águas marcou os dois golos lisboetas, cabendo o 1-2 a Humaitá. Guttmann alisava o caminho para a sua segunda vitória consecutiva no campeonato nacional e não lhe escaparia uma terceira. Depois, como de costume, chateou-se. Nunca estivera tantas temporadas num clube e não voltaria a estar. Se saíra do FC Porto reclamando que o tempo no norte era demasiado húmido para a saúde da sua mulher, justificando infantilmente o ordenado principesco que foi auferir na Luz, voltava a usar o mesmo argumento para seguir para a América do Sul e para o Peñarol em 1962. Deixou raízes profundas.

Estranhos anos 60. A década de 60 assistiu a vitórias sobre vitórias do Benfica no campeonato: 1959-60, 1960-61, 1962-63, 1963-64, 1964-65, 1966-67, 1967-68 e 1968-69. Melhor era praticamente impossível.

Curiosamente, e apesar de o FC Porto viver uma fase cinzenta da sua história (os títulos que sobraram foram parar a Alvalade), continuou a ser a maior dor de cabeça para os encarnados. Repare-se que entre o tal clássico de dezembro de 1959 e o último de 1969, também em dezembro, a 21, nos vinte e um encontros a contar exclusivamente para o Campeonato Nacional, ao fim ao cabo o motivo que abriu estas oito páginas em duas edições do seu jornal, o Benfica somou oito vitórias contra seis do seu adversário, contabilizando-se o resto em empates, como não podia deixar de ser. Cada um ganhou uma vez no campo do outro – FC Porto na Luz em Novembro de 1962 (2-1) e Benfica nas Antas logo a seguir, em Fevereiro de 1963 (igualmente 2-1). Uma única nota de desequilíbrio (directo): a goleada benfiquista por 4-0, na Luz, no dia 13 de Dezembro de 1964, com dois golos de Eusébio e outros dois de José Augusto. A desforra surgiria num célebre FC Porto-Benfica disputado nas Antas a 31 de Janeiro de 1971: 4-0 para os azuis-e-brancos com quatro golos de Lemos. Uma façanha que ficou para a lenda!

Só em 2010 haveria resultado tão desnivelado entre as duas equipas. Mais desnivelado até: 5-0 para o FC Porto.

Jogos marcantes. Os anos 70 mantiveram-se em tons de encarnado, mas trouxeram de novo o FC Porto para o topo do futebol nacional. O Benfica foi campeão nas épocas de 1970-71, 1971-72, 1972-73, 1974-75, 1975-76 e 1976-77. Seis títulos com somente a interrupção do Sporting, em 1973-74.

Mas houvera mudanças drásticas no FC Porto, pelo meio desta chuva de triunfos encarnados. Nas Antas vivia um novo mestre da guerra psicológica: José Maria Pedroto. Ele que fora, quem diria, dispensado por Béla Guttmann, que o considerava demasiado envelhecido para o tipo de futebol que queria impor no clube.

Pedroto, que já fora treinador dos azuis-e-brancos entre 1966 e 1969, fizera um trabalho notável no Vitória de Setúbal e no Boavista – segundos lugar com o primeiro em 1971-72 e com o segundo em 1974-75 (mais duas Taças de Portugal) – à custa de um futebol curto de passes contínuos que disfarçava carências físicas, sobretudo quando nos confrontos contra equipas mais poderosas nesse campo. Regressado em 1976, tirou proveito máximo de uma geração de jogadores fantásticos como foram os casos de Oliveira, Octávio, Duda, Ademir e Fernando Gomes.

Quis o destino que o jogo do primeiro título do FC Porto desde 1959 decorresse no preciso dia 28 de Maio da inauguração das Antas. A perder desde cedo por via de um auto golo de Simões, o empate surgiu já quase no fim por Ademir. Igualados no topo da tabela, caberia aos portistas nova – tal como em 1959 – conquista por diferença de golos: 81-21 contra 56-11. O Benfica de John Mortimore, martirizado pela crítica por causa dos seus excessos defensivos, acabaria a prova sem derrotas. De nada lhe serviu.

Nova ordem. O FC Porto tinha vindo para ficar. Se bem que no início dos anos 80 Benfica e Sporting tenham tido protagonismo, sobretudo pelo aparecimento de dois treinadores revolucionários – Sven-Göran Eriksson no Benfica e Malcolm Alison no Sporting -, não tardaria que os azuis e brancos dominassem por completo o futebol em Portugal. O ritmo de conquistas foi impressionante: de 1984-85 a 1998-99 venceram onze títulos (1984-85, 1985-86, 1987-88, 1989-90, 1991-92, 1992-93, 1994-95, 1995-96, 1996-97, 1997-98 e 1998-999, cinco dos quais consecutivos, deixando quatro para o Benfica.

Uma grave crise administrativa e financeira quase reduziu, depois disso, os encarnados a meras testemunhas do passeio portista. A quebra desportiva do Sporting foi fazendo com que o FC Porto ficasse cada vez mais só, tendo surgido, a partir de meados de 1980, uma outra realidade até aí praticamente inexistente: o clube da Invicta ganhou consistência para lutar na Europa e conquistou, finalmente, a Taça dos Campeões Europeus com um jovem treinador português ao comando – Artur Jorge.

A nova ordem trouxe também o recrudescer da rivalidade entre Benfica e FC Porto, atingindo pontos de fanatismo verdadeiramente inaceitáveis para um país civilizado. Esse fanatismo propagou-se às televisões e aos programas invadidos por adeptos movidos apenas por puro clubismo e sem capacidade de análise isenta e construtiva. É neste universo que vivemos e no qual se disputará o jogo de domingo. Sempre a ferver!