Diogo Costa, que trabalhava na extração de madeira com o seu tio, foi encontrado sem vida a 180 metros da sua viatura estacionada sem sinais de embate na estrada da morte. A Mitsubishi Strakar que conduzia terá sido um dos últimos veículos a ficar encurralado na EN 236-1. Os pais acreditam que Diogo Costa terá saído da sua pick up para socorrer alguém.
Esta é uma das três histórias das 66 vítimas do incêndio de Pedrógão Grande esmiuçadas no capítulo VI do relatório dos peritos liderados pelo investigador Domingos Xavier Viegas. As histórias das vítimas descritas em detalhe no capítulo têm como base os relatos de familiares e amigos.
Nesta edição é ainda revelado como aconteceu o acidente entre a viatura dos bombeiros voluntários de Castanheira de Pera e o Mercedes Benz do casal Almeida, que regressava a Lisboa com um amigo depois de terem tratado de assuntos para as festas de verão.
Diogo Manuel Carvalho Costa
Depoimento recolhido junto de sua mãe Maria Isabel Antunes de Carvalho (55 anos) e de seu pai Manuel Antunes Costa (60 anos), em Nodeirinho, no dia 28 de agosto de 2017
“O Diogo Manuel Carvalho Costa (21 anos) vivia em casa dos seus pais Manuel Antunes Costa (60 anos) e Maria Isabel Antunes de Carvalho (53 anos), em Nodeirinho, juntamente com o seu irmão.
Trabalhava na extração de madeira, juntamente com o seu tio Mário Fernando Antunes de Carvalho, que também faleceu neste incêndio, próximo de Nodeirinho.
No dia 17, com a aproximação do fogo, estava preocupado com a segurança de algumas das máquinas e viaturas que ele e o tio utilizam no seu trabalho de extração e transporte de madeira.
Conseguiu levar uma máquina para o quintal da casa dos pais e encheu de água o reservatório de um sistema de pulverização transportado num trator, que trouxe também para junto da casa dos pais.
Enquanto esteve junto do tanque manifestou a sua preocupação a diversas pessoas. Ao chegar a casa disse à mãe que ia com uma pick-up para colocar em segurança um veículo articulado que tinha estacionado em Barraca da Boavista. Saiu com a Mitsubishi Strakar de 2015, de caixa aberta, em direção a Barraca da Boavista.
Não se conhecem os passos de Diogo Manuel, desde que saiu de Nodeirinho e apenas podemos fazer conjeturas acerca do que se passou até que o seu corpo e o seu carro foram encontrados na EN236-1.
A sua viatura foi encontrada na N 236-1, a cerca de 25 metros a partir do cruzamento de Barraca, em direção a Castanheira de Pera, um pouco fora da estrada, como se estivesse estacionada e sem sinais de embate. O Diogo foi encontrado a cerca de 180 metros de distância da sua viatura. Estava a 180 metros do cruzamento com a estrada antiga que passava por Barraca.
O pai do Diogo admite que ele teria ido socorrer alguém, que tivesse pedido ajuda, ou que ele se tivesse visto em perigo. Refere que se o Diogo tivesse fugido em direção contrária, teria tido mais possibilidade de se salvar. Referiu ainda que o telemóvel do Diogo continuou a dar sinal de chamada até cerca das 23h30, o que o leva a admitir que até essa hora o seu corpo não teria sido atingido pelo fogo. Isto não quer dizer naturalmente que estivesse vivo, ou que se poderia ter salvado se tivesse sido socorrido antes dessa hora. Deve recordar-se que antes das 22 horas os corpos não haviam sido descobertos e a essa hora houve um reconhecimento da estrada para avaliação da situação. Estamos certos de que se houvesse alguma pessoa que pudesse ter sido socorrida, isso teria sido feito.
É muito provável que o Diogo tenha ido até Barraca de Boavista ver o camião que tinham ali estacionado. Admitimos que o tenha deslocado desde um local onde estaria estacionado até o local onde o veículo foi encontrado, completamente queimado. Baseamo-nos no facto de o veículo estar parado numa faixa de rodagem de uma estrada que, embora não tivesse um grande movimento, não seria o sítio mais adequado para estacionar um veículo daquela dimensão, tanto mais que haveria ali perto espaço para o aparcar.
Possivelmente com a aproximação do incêndio e a dificuldade em retirar e conduzir um veículo daquela dimensão e de o conduzir com segurança no meio do incêndio, terá decidido abandoná-lo.
Nestas condições terá voltado ao seu veículo e fugido em direção à EN236-1. Ao chegar ao cruzamento, terá tido que se encaminhar para Castanheira de Pera. Admito que tenha sido um dos últimos veículos a entrar neste troço de estrada, dado que é o segundo que se encontra quando se entra neste troço.
Com a falta de visibilidade, a situação de um pinheiro caído e de carros a arder mais adiante, terá optado por fugir a pé, na direção de Castanheira de Pera, pois tinha a noção de que se fosse na direção oposta encontraria o fogo perto da estrada. Conjugando com o testemunho de Mário Pinhal, estamos em crer que a pessoa que o Mário viu sair de um carro, poderia ser o Diogo Costa”.
Grupo de Góis
“O casal Manuel André de Almeida (62 anos) e Maria Cipriana Farinho Branco de Almeida (59 anos) residia na área da Grande Lisboa, sendo originário de Góis. A fim de tratarem de assuntos relacionados com as festas locais de Verão, deslocaram-se no dia 17, juntamente com Américo Brás Rodrigues (61 anos) a Góis.
No fim da reunião, às 19 horas, iniciaram a sua viagem de regresso, em direção a Lisboa, tomando o IC8, que os levaria a passar por Pedrógão Grande, em direção a Pombal, para tomarem a A1 para Lisboa. Ao começar a viagem teriam conhecimento dos incêndios de Góis e de Pedrógão Grande.
Quando chegaram à localidade de Picha, na N2, esta estrada estava cortada por uma patrulha da GNR, por causa da proximidade dos incêndios de Escalos Fundeiros e de Regadas. Tomaram então a opção, não sabemos se por indicação das autoridades, de se dirigir pela M512 para Castanheira de Pera. Terão entrado na EN236-1, em direção ao IC8, pouco antes das 20 horas.
Segundo supomos após o km 6, próximo do cruzamento de Alagoas, terão avistado a aproximação do incêndio e começado a conduzir no meio de fumo. A fim de tentarem sair o mais rapidamente possível daquela situação. Entre o km 6 e o 7, terão apanhado alguma aberta no fumo e uma melhoria de visibilidade, o que lhes permitiu andar um pouco mais depressa nesse troço. Ao chegar ao km7, há uma curva para a direita, que começa por ser larga, mas que depois se torna apertada, sendo fácil a um carro que conduz no meio do fumo, perder a noção do limite da sua faixa.
Desta forma o Mercedes Benz entrou na curva quando o veículo florestal de combate a incêndios dos Bombeiros Voluntários de Castanheira de Pera vinha a passar em sentido contrário. O embate foi testemunhado pelos bombeiros que sobreviveram ao acidente, como sendo violento.
A roda dianteira do lado esquerdo do Mercedes embateu na roda correspondente do veículo florestal de combate ao incêndio, deformando completamente o semieixo e o sistema de direção, imobilizando o autotanque. O Mercedes Benz rodou sobre si próprio e saiu em direção à barreira do lado direito da estrada, embatendo nela. Os ocupantes do Mercedes Benz deverão ter falecido com o embate.
Os bombeiros tentaram ir em socorro dos ocupantes do Mercedes Benz, mas logo viram que nada poderiam fazer para os salvar. Em seguida este carro começou a arder e os bombeiros tiveram de se afastar”.
Gonçalo Conceição
Baseado nos depoimentos de Filipa Rodrigues, de Fernando Paulo Tomé, de Rui Rosinha e de outras pessoas que contactaram com este acidente
“O veículo florestal de combate aos incêndios 04 dos Bombeiros Voluntários de Castanheira de Pera foi mobilizado para o incêndio de Moninhos, no Concelho de Figueiró dos Vinhos, com a seguinte tripulação: Fernando Sebastião Gomes Tomé (47 anos) condutor; Rui Rosinha (39 anos) chefe de viatura; Fernando Paulo Almeida Tomé (22 anos); Filipa Alexandra Silva Rodrigues (24 anos) e Gonçalo Fernando Correia da Conceição (40 anos).
Estiveram naquele incêndio até cerca das 19 horas. Quando o incêndio ficou dominado, ao tomarem conhecimento de que o incêndio de Escalos Fundeiros estava a começar a entrar no concelho de Castanheira de Pera, obtiveram permissão para se retirar para o seu Concelho. Foram abastecer a viatura à aldeia de Ana de Avis e tomaram o IC8, em direção a Moita. Terão saído pelas 19h30, em marcha de emergência, com a sirene e as luzes intermitentes ligadas. Saíram no nó de Castanheira de Pera e, seguiram pela EN236-1.
Logo ao entrar nesta estrada, depois da placa de Nodeirinho ficou tudo escuro. A Filipa lembra-se de ter visto um carro, que lhe pareceu ser um Peugeot de cor azul, parado no lado esquerdo. Apesar do fumo na EN236-1, passaram pelo troço do acidente, – onde não havia carros nem fumo – sem grandes problemas.
Ao chegar a um cruzamento em que existe uma fonte (km 8) viram uma projeção junto da estrada. Ainda abrandaram para ir combater aquele foco, mas logo viram que não se tratava de um foco isolado, mas sim de várias projeções de um incêndio que se aproximava pelo lado direito da estrada. Como tinham uma missão a cumprir em Moita, desistiram dessa ideia, a fim de chegarem quanto antes a Moita, pois pressentiam que as coisas apenas poderiam estar a piorar por lá.
Com o fumo a tornar-se mais denso reduziram a marcha e passaram a guiar-se pelos traços da estrada. O Rui Rosinha, que era o Chefe da viatura e vinha ao lado do condutor, referiu que a velocidade seria da ordem de 40 ou 50km/hg.
Depois de passar o cruzamento para Vilas de Pedro, ao chegar ao km7, vinha em sentido contrario um veículo Mercedes Benz 250 CLK, com três ocupantes, que embateu com violência na roda dianteira do lado esquerdo, partindo o suporte da roda do veículo florestal de combate aos incêndios e imobilizando a viatura.
No momento do embate os bombeiros tiveram receio de que o veiculo ligeiro levantasse a sua traseira e fosse embater no para brisas da cabina, mas tal não aconteceu. O veículo ligeiro rodou para o lado esquerdo do veículo florestal de combate a incêndios, ficando virado na direção de Castanheira de Pera e foi embater com violência contra a barreira do lado esquerdo da estrada. Os seus três ocupantes ter-se-ão mantido sempre dentro da viatura, ligados certamente pelos cintos de segurança.
Os cinco bombeiros saíram da viatura utilizando as duas portas do lado esquerdo, para não se exporem ao calor. Quando saíram da cabina sentiram um grande desconforto, produzido pelo calor, que lhes queimava o corpo. Mesmo sem haver chamas próximo deles, sentiam como se a pele se estivesse a encarquilhar e os óculos e as mascaras de proteção começaram a derreter em plena face.
Aproximaram-se do veículo ligeiro e gritaram para chamar os seus ocupantes. Tencionavam desenrolar as mangueiras para apagar o fogo em torno e na viatura, mas logo em seguida verificaram que não havia condições. Não havendo resposta dos ocupantes, verificaram que nada poderiam fazer para os salvar porquanto o carro começara a arder. O chefe deu-lhes a indicação para se afastarem das viaturas, pois receava que ardessem ambas.
Tinham os fire-shelter na viatura, mas não os levaram consigo ao retirar-se. Pouco antes do embate, como se estavam a aproximar de Moita, começaram a vestir o equipamento, para se prepararem para o combate. Nem todos tiveram tempo de colocar o capacete e os óculos. O Rui Rosinha e o Fernando Sebastião Tomé, que era o condutor, não levavam o capacete e os óculos quando saíram da viatura. Embora tivessem luvas e fire-shelter, não os levaram consigo na fuga.
Podemos situar o acidente do veículo florestal de combate a incêndios com alguma precisão, entre as 20hl0 e as 20h13. O Rui Rosinha falou com o oficial bombeiro Rui Alves no primeiro momento. Lembrava-se de estarem na EN236-1, mas pouco antes do embate. Depois, no segundo momento, o Rui Rosinha ligou para a sua mulher Marina Antunes Rodrigues, já depois do acidente. Embora estivesse a falar com a mulher, não se dirigiu a ela, mas antes estava a dar indicações ao seu pessoal, para se afastarem do veículo florestal de combate a incêndios e se dirigirem para o cruzamento para Vilas de Pedro, pois ali teriam um pouco mais de espaço. A Marina estava em Castanheira de Pera, em casa com o seu sogro, o comandante Bebiano Rosinha, que logo se apercebeu de que algo estaria a correr mal com a equipa de bombeiros, pois não era costume fazerem chamadas daquele tipo para familiares, em plena ação, a não ser que tivessem muita dificuldade em comunicar, ou algo de grave estivesse a suceder. A Marina e o comandante Bebiano ficaram preocupados e procuraram logo saber o que se passava.
Entretanto os cinco bombeiros dirigiram-se para o cruzamento de Vilas de Pedro, pois ali havia uma clareira que os manteria afastados das viaturas e da barreira, situada abaixo da estrada, e do calor que a sua combustão iria libertar. A frente do incêndio terá passado naquele lugar nessa altura, não tanto como uma frente de chamas contínua, mas como uma onda de calor, com grande velocidade, que queimava tudo, incluindo a vegetação em volta.
Ao chegarem ao cruzamento ajudaram-se mutuamente, protegendo-se do calor com os seus equipamento de proteção individual e com as placas da estrada, rodando, para se revezarem na posição mais exposta.
Enquanto estiveram expostos ao calor, alguns bombeiros pensaram que ali seria o seu fim. A Filipa lembra-se que alguns gritavam com as dores, outros rezavam, pedindo a Deus que não se esquecesse deles. O chefe Tomé estava calado. Os outros Bombeiros sentiam que, mais do que consigo, estava preocupado com o seu filho. Telefonaram por várias vezes para a central e para o 112, sem conseguirem comunicar. Apenas conseguiram dar o alarme a pedir socorro pelas 20h44.
Passado um pouco chegou um casal, em que a senhora estava descalça, com os pés cobertos de alcatrão derretido da estrada. Chegou depois uma criança e, passado um pouco, chegaram os seus pais Luís Abreu e Margarida Abreu.
Passou depois o carro de Francisco Campos, que recolheu a Filipa, seguindo em direção a Figueiró dos Vinhos. Depois de andarem um pouco, ao verem os carros a arder no troço do acidente, voltaram para trás, em direção a Castanheira de Pera. Passaram de novo pelo cruzamento, mas os quatro bombeiros já haviam sido recolhidos por ambulâncias que tinham vindo de Castanheira de Pera.
Nem todos os bombeiros se deram conta da saída da Filipa e, com a confusão e a dificuldade de verem o que se passava em sua volta e de comunicarem entre eles, alguns mantiveram a preocupação de que a Filipa tivesse ficado para trás ou estivesse desaparecida. Houve quem referisse que ouviram algum dos bombeiros a chamar pela Filipa.
Quando o carro de Francisco Campos chegou ao Alto de Alagoa encontraram uma ambulância e a Filipa passou para dentro dela. Veio para Castanheira de Pera onde encontrou os outros Bombeiros feridos. Foram levados para o campo de futebol, pois esperava-se que um helicóptero os viesse recolher ali. Depois foram para o centro de saúde e, quando foi possível passar na estrada, a Filipa foi levada para o Hospital Universitário de Coimbra, onde chegou pelas 23 horas.
O Rui Rosinha seria levado para o Hospital da Prelada no Porto, onde teve uma longa convalescença. Tinha os pulmões seriamente afetados, mas conseguiu ser tratado na única máquina de recuperação que existe em Portugal e que o poderia salvar. Refere com muita insistência que o socorro médico, em geral deveria ser melhor organizado. Sem sentido de crítica, referiu que não havendo hospitais próximos de Castanheira de Pera, seria conveniente que o seu centro de saúde pudesse estar preparado para estas ou outras emergências. Deveria ser aberto e dotado de medicamentos para estas situações. No caso do Rui sofreu muitas dores com as queimaduras, mas apenas lhe foi administrada morfina pelas 4 horas da manhã, por não haver morfina disponível em Castanheira de Pera.
O Fernando Tomé comentou connosco que foi uma infelicidade ter ido na mesma viatura com o seu pai. Não sendo muito comum, já tinha acontecido mais vezes. Ao sofrerem o acidente, constituiu uma causa adicional de preocupação para o seu pai, que era o mais graduado da equipa e um motivo de angústia para a família, que tinha dois elementos acidentados e, como se chegou a recear durante algum tempo, em perigo eminente de vida. Felizmente que graças aos cuidados médicos que receberam, recuperaram todos e esperamos que completamente”.