As guerras de Marcelo com Cavaco. Do Presidente herbívoro à “verborreia frenética”

As guerras de Marcelo com Cavaco. Do Presidente herbívoro à “verborreia frenética”


São antigas as divergências entre os dois presidentes. Marcelo Rebelo de Sousa distanciou-se cedo da forma como Cavaco encarava a função presidencial


As últimas aparições públicas de Cavaco Silva ficaram marcadas pelas críticas ao atual Presidente da República. Direta ou indiretamente, o ex-presidente não tem perdido uma oportunidade para atacar Marcelo Rebelo de Sousa e raramente fica sem resposta.

A relação entre os dois já conheceu melhores dias. Cavaco Silva deu mais um sinal disso mesmo quando, no último sábado, deixou a cerimónia de inauguração do campus de Carcavelos da Universidade Nova de Lisboa sem ouvir o discurso do Presidente da República. “Vou para uma festa familiar a que não posso faltar”, justificou, quando foi questionado pela RTP.

Saiu a correr poucos minutos depois de Marcelo chegar, porque estavam todos à sua espera para “uma festa do meu neto, que faz anos, e para o batizado do meu sobrinho”. A ausência de Cavaco à hora a que o chefe de Estado discursava não passou despercebida depois da troca de palavras por causa da procuradora-geral da República. Cavaco achou “estranhíssima” a não recondução de Joana Marques Vidal. O atual Presidente da República sugeriu que Cavaco não teve sentido de Estado. “Não devo comentar nem ex-Presidentes, nem amanhã quando o deixar de o ser, futuros Presidentes, por uma questão de cortesia e de sentido de Estado”, disse.

Não foi a primeira vez que Marcelo apelou à contenção na guerra de palavras entre Presidentes. “Quem é eleito Presidente da República assume um certo dever de reserva e de contenção, em particular nas relações com os seus antecessores”, disse Marcelo há um ano, após ter sido acusado de falar de mais.

Ficou célebre a intervenção de Cavaco Silva na Universidade de Verão do PSD com muitas indiretas para Belém. O ex-presidente elogiou Macron, porque “a palavra presidencial deve ser escassa” e criticou “a verborreia frenética da maioria dos políticos europeus, que não dizem nada de relevante”.

Marcelo percebeu que era ele o alvo, mas não comentou por “uma questão de cortesia, bom senso, obviamente de educação, mas sobretudo por uma questão de respeito pela função presidencial, pelo prestígio da democracia”. Para Marcelo, se “os sucessivos Presidentes da República não têm um respeito naquilo que dizem uns dos outros, em termos de forma e de conteúdo, acabam por não se fazer respeitar pelo povo”.

Cavaco “come erva” Antes de ser Presidente da República, Marcelo aproveitava os seus comentários semanais televisivos para se demarcar de Cavaco, mas também para fazer a sua interpretação sobres os poderes presidenciais. Em 2013, quase três anos antes de ter sido eleito, Marcelo garantiu que, se algum dia chegasse a Belém, não teria uma visão tão “minimalista” dos poderes do Presidente. As palavras que escolheu para descrever a forma como Cavaco interpretava a função presidencial não poderiam ter sido mais originais. “Cavaco é herbívoro, não carnívoro. Ele come erva, não come carne”. A aproximação do então Presidente ao governo de Passos Coelho, principalmente a partir de 2013, levou Marcelo a mostrar “preocupação com o esvaziamento do papel presidencial”.

Ao longo dos anos, Marcelo disparou várias vezes contra Belém sentado na cadeira de comentador. Um dos ataques mais violentos foi feito ao discurso do dia 5 de outubro de 2014. Marcelo acusou Cavaco de fazer uma análise “à Marinho e Pinto” por ter alertado para o risco de “implosão” do sistema político. “Falta ali uma coisa que é esperança: ele fala em esperança mas o discurso é desesperançado. Um Presidente da República, que é o garante da República e da democracia, se ele não tem esperança na República e na democracia, quem é que tem?”.

Geringonça Marcelo e Cavaco também estiveram em lados opostos quando foi criada a geringonça. Cavaco arrasou a solução política encontrada pela esquerda por depender de “forças políticas antieuropeístas”. Marcelo, no arranque da campanha às presidenciais, num comício na Voz do Operário, demarcou-se daqueles que, como nos tempos do PREC, dividem os portugueses “entre os que tinham o exclusivo de acesso ao poder e aqueles que estavam marginalizados”.

As diferenças entre o atual e o antigo Presidente são muitas, mas Marcelo garantiu, neste fim de semana, que “a relação está ótima”. Cavaco saiu mais cedo da inauguração do novo campus universitário, mas ainda teve tempo para deixar mais um recado a Marcelo. “Eu tenho uma experiência de dez anos de primeiro-ministro e dez anos de Presidente da República e também um ano de ministro das Finanças. Sei bem aquilo que se passa no mundo da política”. Cavaco ainda lembrou que “raramente” faz comentários sobre a vida política e partiu para a festa de anos do neto. Sem ouvir Marcelo.

“Esta estratégia contrasta com a verborreia frenética da maioria dos políticos, que não dizem nada de relevante” “Esta estratégia contrasta com a verborreia frenética da maioria dos políticos, que não dizem nada de relevante” “Em França, não passa pela cabeça de ninguém que Macron telefone a um jornalista para lhe passar uma notícia” A não recondução de Joana Marques Vidal é talvez a mais estranha decisão da geringonça” “O Presidente Cavaco Silva, no fundo, disse que era a mais estranha decisão do meu mandato “O Presidente Cavaco Silva, no fundo, disse que era a mais estranha decisão do meu mandato “A palavra presidencial deve ser escassa” “[Cavaco Silva] não pode fazer a mesma análise que Marinho Pinto faz sobre a implosão do sistema político”“[Cavaco Silva] não pode fazer a mesma análise que Marinho Pinto faz sobre a implosão do sistema político” “Não devo comentar nem ex–Presidentes, nem amanhã quando o deixar de o ser, futuros Presidentes” “Cavaco é herbívoro, não carnívoro. Ele come erva, não come carne” “Cavaco é herbívoro, não carnívoro. Ele come erva, não come carne”