O ex-porta-voz da Polícia Judiciária Militar, Vasco Brazão, que se encontra numa missão da ONU na República Centro Africana, já recebeu ordens para regressar a Portugal com urgência por ser visado no inquérito que investiga as circunstâncias “estranhas” em que apareceu o material de guerra roubado em Tancos no ano passado.
Tal com o i revelou ontem, o Ministério Público suspeita que a Polícia Judiciária Militar tenha forjado uma chamada telefónica anónima para esconder que tinha feito um acordo com o principal suspeito do roubo do material – em que este se comprometia a devolver o que tinha sido subtraído dos paióis. Tudo de uma forma em que ambas as partes saíssem a ganhar: A PJ Militar, porque ficaria com os louros de resolver um caso que estava a parar o país, os criminosos porque nunca ninguém saberia que teriam sido eles se tudo fosse feito mediante uma chamada anónima. E assim foi, segundo a investigação da Polícia Judiciária e do DCIAP. E o civil detido na terça feira é o líder do grupo que terá negociado tudo com a PJ Militar – este elemento, um ex-fuzileiro, é o único considerado perigoso, sendo que os restantes serão pouco experientes.
O que faltava saber era como é que o cabecilha do grupo que assaltou Tancos contactou a PJ Militar. Primeiro, este ex-fuzileiro de 45 anos terá tentado um contacto com um ex-colega que é guarda da GNR, tendo de seguida o assunto sido levado até outro dos arguidos da GNR. O MP e a PJ acreditam que dentro da GNR o assunto terá sido do conhecimento da hierarquia e daí até aos contactos com a PJ Militar – que decidiu assumir estes trabalhos à margem da investigação que estava a ser feita pela PJ – foi um instante.
O cabecilha do grupo que terá roubado as armas – já referenciado e com um bar na região de Leiria que servia de plataforma para as suas atividades criminosas – começou a ficar assustado com notícias que foram publicadas e que davam conta de que a investigação da PJ ia de vento em popa, dado que tinham como informador um homem que tinha sido contactado para fazer o assalto e que recusara.
Esse homem, aliás, tinha feito queixa do roubo um mês antes do mesmo acontecer sem que nada fosse feito até então.
O telefonema do Montijo Para que o material fosse encontrado e o verdadeiro responsável do roubo fosse identificado, a PJ Militar terá então simulado uma denúncia anónima feita para o seu piquete. Segundo a investigação da PJ, a chamada foi feita de uma cabina telefónica no Montijo por parte de um elemento da própria Polícia Judiciária Militar.
Através de rastreamento celular dos investigadores da PJ Militar, a PJ conseguiu identificar quem tinha sido o autor da denúncia falsa – e que é um dos detidos.
Na terça-feira foram detidos quatro elementos da PJ Militar (entre os quais o diretor-geral, o coronel Luís Augusto Vieira), três elementos da GNR de Loulé (incluindo o sargento Lima Santos) e um civil, o cabecilha do grupo.
Segundo o i apurou junto da investigação, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e a Unidade Nacional Contraterrorismo da Polícia Judiciária consideram que a PJ Militar quis matar a investigação inicial a Tancos e ficar com os créditos da descoberta das armas, desviando as atenções dos criminosos que em troca negociaram a entrega do armamento. Uma das coisas que mais levantou dúvidas foi a colaboração da GNR de Loulé, uma vez que as armas foram encontradas na Chamusca, sendo, por isso, competência da GNR de Santarém.
Vasco Brazão que já foi alvo de buscas é um dos visados desta investigação e o Ministério Público requereu ao Estado-Maior-General das Forças Armadas que o militar fosse detido, sendo que, ao que o i apurou, o próprio já terá sido informado.
Segundo a PGR, “em causa estão factos suscetíveis de integrarem crimes de associação criminosa, denegação de justiça, prevaricação, falsificação de documentos, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, abuso de poder, recetação, detenção de arma proibida e tráfico de armas”.
Os detidos só hoje deverão começar a ser ouvidos no Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa.