Leandro Morgado. “Sinto que a magia ainda é vista como algo bonito para as crianças”

Leandro Morgado. “Sinto que a magia ainda é vista como algo bonito para as crianças”


Pisa palcos internacionais e ganha prémios nacionais. É um dos mentalistas e ilusionistas mais reconhecidos, e vai ter agora um novo espetáculo: o “Lisbon Magic Experience”, no Palácio Foz


Leandro Morgado funde as palavras mentalismo, storytelling e ilusionismo para criar espetáculos inovadores, em que os participantes são uma das peças fundamentais. Venceu, por duas vezes, o prémio nacional de spoken word, e foi premiado em Literatura na edição dos Jovens Escritores 2010. Além disso, foi agraciado como Mágico do Ano 2016 pela Associação Portuguesa de Ilusionismo. Ao longo da sua carreira, percorreu salas nacionais e internacionais e chegou a ser convidado para o Magic Castle, em Hollywood. O i falou com ele no local onde vai ser realizado o seu próximo espetáculo – no Palácio da Foz, nos Restauradores (começa já este sábado, dia 29 de setembro) – sobre a forma como o mentalismo e o ilusionismo se conseguem relacionar com a mente humana. 

 

Como começou a envolver-se no ‘mundo’ da magia?

Comecei por ler as bandas desenhadas do ‘Mandrake’ e do ‘Doctor Strange’. Quando tinha cerca de oito anos, o meu tio, que era manequim – fazia eventos para várias marcas de roupa -, levou-me a um evento de uma marca que fazia smokings. Fomos ao evento porque ia ser divertido fazer uma exploração da imagem do mágico. Mais tarde, o meu tio, que não sabia nada do assunto, fez um curso no Chapitô, onde aprendeu alguns truques. E eu era a cobaia dele. A parte gira é que ele nunca me ensinava como é que era feito e eu nunca não percebia como é que as coisas funcionavam. Entretanto, como se apercebeu no interesse que eu tinha na área, deu-me um daqueles kits de magia para os miúdos. Ainda tenho a caixa de magia número cinco guardada. 

Depois disso, li o meu primeiro livro sobre o assunto, numa altura em que ainda não havia internet e ter acesso à informação era complicado. Passado alguns anos, comprei o meu primeiro catálogo numa loja em Londres, o ‘Magic Books by Post’: um calhamaço só de livros. No mesmo ano, comecei a ter aulas com uma espécie de mentor, o José Cruz, que me recebia sempre à quarta-feira à hora do almoço. Durante as aulas líamos alguns livros e fazíamos truques. Apesar de esta ser uma escola mais circense, a verdade é que tive ali acesso a muita informação de números e livros. 

Por volta do ano de 2000, entrei para a Associação Portuguesa de Ilusionismo e, aí sim, foi todo um mundo novo, com conferências, congressos e contacto com pessoas que eram, para mim, ídolos. Em 2004, fiz uma pausa e depois, em 2008, retomei. Nessa altura estava muito inspirado na vaga de stand up comedy que se encontrava na moda. Achava que tinha muito potencial fundir as duas coisas, porque, por um lado, não me sentia muito bem, tal como não me sinto ainda hoje, no rótulo de ser ilusionista ou mentalista. Na minha cabeça, quando dizem ‘Ah, o Leandro é mágico’, surge um monte de imagens que não estão certas. Então agarro-me muito mais a esta ideia do ilusionismo, mentalismo e do storytelling para me focar nos espetáculos.

Ao contrário de outros mágicos que talvez estejam sempre prontos para fazer algum truque, eu sou aquela pessoa que fica mortificada. Tem de haver sempre um contexto para se fazerem as coisas.

Qual é a sensação de ver a reação das pessoas a um truque?

Uma das principais reações que as pessoas têm quando estão num espetáculo é aplaudirem no final. No meu ponto de vista, o aplauso é uma convenção teatral: batemos palmas quando uma coisa chegou ao fim e correu bem, Mas, se pensarmos bem, uma reação natural a um momento inexplicável jamais serão palmas, ou é silêncio, pânico ou choque. Portanto, houve uma altura em que comecei a pensar mais nestas coisas e comecei a acreditar que o contexto e a história é que têm mais importância. 

O que deve ser tido em conta sobre o passado da magia?

Vem tudo de um ritual, como por exemplo, os xamãs: que juntavam o pó aqui e ali, e conseguiam perceber que isto resultava, mas depois a partir de um momento, o que é conhecido como um truque, passa apenas a ser uma demonstração, o tal show off. E quando a coisas saem de contexto, vão para um outro que não é muito melhor. É preciso ter em conta que a palavra na magia é de uma importância extrema. A palavra que temos ainda hoje do abracadabra, significa ‘eu crio com a palavra’. Não é uma palavra qualquer, é o poder da palavra que vai fazer com que tudo aconteça. Tudo foi passando de um contexto ritualístico para o contexto do oculto e depois para um contexto de feira. Só para aí no século XIX é que a magia vai para o teatro, onde é apresentada de uma forma científica, e progressivamente passa para o ramo do entretenimento. 

E tendo em conta tudo isto, como se autodenomina? Mágico? Ilusionista? Mentalista?

Isso é um problema muito grande que tenho. No meu site, durante muito tempo, estava mentalista e storyteller, mas depois mudei para mentalista, ilusionista e storyteller. Mas na verdade nenhum dos rótulos é meu, isto é apenas o que eu faço e não o que eu sou. 

Magia e mentalismo. Quais são as diferenças?

Há a resposta rápida e a longa. A rápida é: o mentalismo surge como uma espécie de ramificação do ilusionismo. Se o primeiro é aquela coisa que faz aparecer e desaparecer coisas e que ilude os teus olhos, o segundo ilude a tua mente, como a telepatia, a premonição e a clarividência. A resposta longa tem muito mais piada (risos). 

 

 

Por que é que o mentalismo surge? 

Surge num contexto histórico bastante específico, e que teve a sua grande expressão na Primeira Guerra Mundial. As pessoas tinham uma necessidade de acreditar que os seus entes queridos viviam numa outra realidade paralela qualquer, e que era possível contactá-los. Basicamente, o que é que um medium faz? Revela informação sobre ti ou sobre alguém que já não está cá de um modo inexplicável, pois era impossível saber coisas sobre ti se não te conhecia. A primeira vez que a palavra mentalismo aparece, é apenas como uma questão comercial. Depois a parte em que o mentalismo passa para o palco, é quando há a fusão com o ilusionismo, tanto que hoje em dia as duas áreas estão bastante próximas. O mentalismo é o primeiro princípio que nos diz que tudo o que existe na vida de cada um de nós, só existe na nossa mente. E é verdade: tu estás aqui a ouvir a minha voz, mas na verdade estás a ouvi-la dentro da cabeça. 

Ao longo dos últimos anos têm sido feitos programas na TV ligados à magia e que fazem a desconstrução dos truques. Tudo isto pode destruir aquilo que é a mística da magia?

Para mim, não há problema nenhum.

Mas isto não o obriga a ser mais exigente com o que apresenta?

Não. Vou contar-te uma história que acho que pode ajudar a ilustrar isso. Há uns tempos eu estava num evento e estava numa sala sozinho. As pessoas iam chegando e ia havendo uma espécie de atendimento personalizado. Um dos truques envolvia uma chave antiga, e essa chave era posta na minha mão, e a pessoa pensava sobre alguma coisa mal resolvida na sua vida e depois colocava a mão no meu pulso. Segundos depois, a chave começava a girar lentamente até que se virava. Fiz isto centenas de vezes nessa noite… e vira sempre (risos). Nesse dia, há um senhor que assim que a chave vira, faz um ar muito sério. Eu pensei que ia entrar em pânico, até que se vira e me diz: ‘Isto foi das coisas mais tocantes que eu já vi e ter agora esta manifestação de que isto é algo que pode ser resolvido é muito bom’, eu pensei: ‘Ok, estou tramado.’ E ele continuou: ‘Há umas semanas comprei um kit de magia para o meu sobrinho, e tinha precisamente uma chave que também se punha na nossa mão e que também dava a volta. Mas nada a ver com isto’. Depois de ele dizer isto, pensei: ‘Não. É exatamente isto’. Era o mesmo truque e tinha sido vendido numa loja. Acho que não passa pelo facto de a pessoa saber como é que a coisa foi feita. Num contexto totalmente diferente, a pessoa vai ser incapaz de reconhecer o mesmo truque. No caso da magia isto é mais válido. Não nos podemos esquecer que são apenas programas de entretenimento. 

E para quem está de fora, este mundo pode ser um bocadinho desacreditado?

Não sei. O que sinto é que a magia ainda é vista como algo bonito para as crianças. A forma como eu vejo as coisas é diferente. Vejo mais um mentalista ou um mágico como um storyteller e que, pelo poder da palavra – mesmo que não faça nenhum truque -, já seria mágico o suficiente. E é isso que me interessa. A fase em que estive na comédia também me ajudou muito a perceber isto: o riso é uma coisa do caraças. 

Sobre este novo espetáculo? Pode revelar algumas coisas?

Sim…é tudo secreto (risos). Bem, uma das coisas, voltando ao início do contexto, é este sítio. Eu já o conhecia há algum tempo e sempre me pareceu interessante. De certa forma, este espetáculo também tem muito a ver com algumas inquietações minhas sobre o papel que o mágico em termos sociais tem.

O espetáculo vai ter uma reflexão pessoal sobre o percurso que tenho feito e como é que parece que a um dado momento tudo faz sentido. Não querendo revelar assim muito mais, este segue ainda muito a linha dos últimos dois espetáculos que fiz, que têm muito a ver com a memória. 

E quais é que são os aspetos menos evidentes da magia?

A própria génese que a magia tem. Não há nenhum registo noutra espécie animal de acharem curioso meter uma moeda na mão e desaparecer. Vê-se muito aquele mágico como o que faz truques, mas o papel que o mágico tem em termos sociais é menos óbvio.