No início do ano, Helena Almeida inaugurava na Tate Modern, em Londres, uma exposição onde se incluiam as conhecidas séries “Tela Habitada” e “Desenho (com pigmento)”. No entanto, não escondia alguma desilusão com o menor reconhecimento local. “A minha obra é vista de outra maneira noutros sítios”, reconhecia em entrevista ao Expresso sobre aparente desinteresse na sua obra.
Uma das mais importantes artistas portuguesas do século XX partiu sem aviso aos 84 anos quando estava na sua casa em Sintra. Representou Portugal na Bienal de Veneza por duas ocasiões: em 1982 e em 2005; e em 2004, participou na Bienal de Sidney. Era reconhecida no circuito institucional e em galerias de prestígio. A sua última grande exposição antológica em Portugal foi “Helena Almeida: A minha obra é o meu corpo, o meu corpo é a minha obra”, em 2016, no Museu de Serralves. O Museu Jeu de Paume, em Paris, e o Wiels em Bruxelas também lhe dedicaram grandes exposições. No ano passado, a exposição individual “Work is never finished” esteve patente no Art Institute, em Chicago. “Nunca fiz as pazes com a tela, o papel ou qualquer outro suporte. Creio que o que me faz sair do suporte, através de volumes, fios e de muitas outras formas, foi sempre uma grande insatisfação em relação aos problemas do espaço”, explicava na inauguração da mostra de Serralves ao Diário de Notícias.
Filha do escultor Leopoldo de Almeida, nasceu em Lisboa em 1934 e estudou Pintura na Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa. Adorava banda desenhada e delirava com Walt Disney. Em 1964, prossegue os estudos em Paris, com uma bolsa da Fundação Gulbenkian. Expõe pela primeira vez em 1967 na Galeria Buchholz mas é no pós-25 de Abril que descobre a sua principal marca identitária: o corpo, através de marcantes auto-retratos a preto e branco que interrogam a representação do corpo da mulher.
Explora recorrendo a diferentes suportes criativos como a pintura, o desenho, a gravura, a instalação e o vídeo mas sobretudo a fotografia. E sempre como parte integrante da sua obra. “Faço sempre desenhos das situações que quero fotografar. Aliás, a partir da década de 80 passo a usar o vídeo para experimentar, porque um gesto pode ser muito enganador: uma mão mais para o lado é já outra coisa. Então, ensaio primeiro com a câmara […]. Eu quero a fotografia tosca, expressiva, como registo de uma vivência, de uma ação”, explicava em entrevista ao Expresso. No entanto, frisava, o seu trabalho apenas encontrava na fotografia “um meio” para atingir uma expressão definitiva.
Vivia rodeada por arte, como uma ilha cercada por mar. Cresceu a observar o pai no ateliê – Leopoldo de Almeida foi autor, entre outras obras, do conjunto escultórico do Padrão dos Descobrimentos, e um dos mais reconhecidos escultores do seu tempo, e trazia sempre por perto o marido, arquiteto e também escultor Artur Rosa. Este fotograva-a quase sempre em todas as obras “ porque é importante que as fotografias aconteçam no lugar físico em que eu as pensei e projetei”, justificava ao jornal.
O método usado começava pelo desenho. “Surgem como um relâmpago, de repente. Ou vêm a pouco e pouco. Por vezes surge uma ideia, e a partir de uma ideia que eu considero má chega uma boa ideia”, descrevia. No papel, explanava as posições que depois e os movimentos que haveria depois de representar com o corpo. Em sessões a dois, era fotografada por Artur Rosa que, por vezes, também participava na imagem. A exposição “O Outro Casal. Helena Almeida e Artur Rosa”, centrada nos registos com o marido esteve patente até dia 9, na Fundação Arpad Szenes Vieira da Silva.
O olhar sobre o corpo feminino foi muitas vezes encarado como um gesto feminista. Vínculo que recusava, afirmando que “já não há razão para ser feminista na Europa”, na entrevista de 2016. “Aqui na Europa não há razão para sermos feministas. Pode haver espaço para um pós-feminismo, por razões de ordenado, de trabalho ou de os homens baterem nas mulheres. Mas se batem nas mulheres é porque são brutos, porque foram criados na brutalidade. É mais uma questão de educação. Contra a corrente, não encontrava motivos “para ir para a rua gritar como as sufragistas, as feministas fizeram” e embora participasse “nas exposições de feministas”, dizia preferir “mil vezes estar numa exposição” em que fosse a única mulher entre mulheres. “Aí sinto-me bem”, assumia.
Há dois anos, na citada entrevista ao Expresso, reconhecia já não ter a energia “a energia dos 40 ou dos… 30” mas asseverava continuar até ao fim. “Enquanto puder, faço”. E continuou a fazer no ateliê de Campo de Ourique onde diariamente usava o corpo como matéria criativa de trabalho.
Em Madrid foi recentemente inaugurada a mostra “Dentro de mim” na galeria madrilena Helga de Alvear. A exposição na Tate Modern cotinua até 4 de novembro.