Crónica sobre novas medidas fiscais aptas a resolver coisa nenhuma


Saúda-se sempre um desagravamento fiscal, mas não cremos que o efeito pretendido passe pela tentativa de ter dois regimes fiscais concorrentes e diferentes para taxarem de forma diferente a actividade económica feita sobre um mesmo imóvel


Tivémos hoje nota de uma nova medida proposta pelo governo para estimular o mercado do arrendamento.

Cresce, num micro-universo, em Lisboa e Porto a ideia de que (e em parte assim será, mas não na extensão pretendida) em determinadas cidados bairros o alojamento local e o aluguer de curta duração poderão estar a roubar imóveis ao mercado do arrendamento clássico.

Pretendem estas alterações ao regime fiscal, ao que parece, combater essa tendência.

Saúda-se sempre um desagravamento fiscal, mas não cremos que o efeito pretendido passe pela tentativa de ter dois regimes fiscais concorrentes e diferentes para taxarem de forma diferente a actividade económica feita sobre um mesmo imóvel, é de uma ingenuidade quase pueril – se se quiser mesmo inverter a questão – acreditar que, voluntariamente, podendo pagar uma taxa reduzida qualquer senhorio escolha outra maior, pela utilização do mesmo exacto bem em condições de igualdade.

Senão vejamos: num passado relativamente recente, já tínhamos tido nota de que contratos a mais de 10 anos iriam ter uma prometida uma taxa liberatória bonificada de apenas 14% (metade da taxa liberatória actual) e uma taxa de 10% na eventualidade do arrendamento durar mais de 20 anos.

Neste intervalo de até aos 10 anos, nenhuma medida de alívio da carga fiscal havia, até à data, sido proposta.

As notícias do dia vêm dar-nos nota de uma nova proposta, que passa por reduzir a taxa liberatória dos contratos de arrendamento com duração dos 5 até aos 10 anos dos 28% para os 25%.

Com estas medidas, na ideia dos proponentes, os senhorios sentir-se-iam motivados, pelo desagravamento fiscal, a trocar os alugueres de curta duração, ou “short term rental”, por contratos mais estáveis, de durações superiores e verdadeiramente destinados a habitação permanente dos locatários, afinal no sentido de por termo à alegada desertificação das cidades, que tendo começado algures nos anos 60, parece ter sido descoberta agora, depois de cerca de meio milhão de habitantes (em Lisboa) terem abandonado os bairros históricos desde então e até agora antes do recente regresso da vida aos referidos sítios.

A verdade é que este regime ora proposto terá de concorrer com o regime actualmente em vigor e já devidamente alterado em 2017, onde se passou do englobamento do valor equivalente a 15% das rendas anuais, na matéria colectável para efeitos de imposto sobre o rendimento, para o actual englobamento do OE de 2017 de 35% do valor dessas rendas anuais.

Imaginemos, pois, que um determinado imóvel tem uma renda mensal de € 1.000,00, ou que gera mensalmente os mesmos € 1.000,00 em vários alugueres curtos e que, portanto, o senhorio tradicional e o empresário/proprietário da unidade de alojamento local ambos aufeririam dessa actividade arrendatícia um valor bruto de € 12.000,00/ano.

Comecemos por olhar para a competitividade do regime fiscal no confronto dos arrendamentos até 5 anos, e o do alojamento local (só relativamente à renda aferida, porque no confronto a remuneração por m2/tipologia no alojamento local e no arrendamento para habitação, tendem a não ser comparáveis, sendo a primeira claramente mais rentável).

Temos pois que, anualmente (e sem analisar outros factores que não o simples rendimento bruto) ambos os senhorios auferem anualmente € 12.000,00 das suas casas aptas para utilização habitacional.

Relativamente ao regime do alojamento local, depois de 2017, o valor do rendimento englobável para efeitos de aplicação da taxa correspondente são € 4.200,00, ou seja 35% do valor global de € 12.000,00, ao qual se aplicará a taxa equivalente do IRS do Senhorio.

Imaginemos uma taxa máxima de 55,5% em 2017, (com a sobretaxa e as taxas de solidariedade), relativamente ao referido rendimento e simplificando o máximo de imposto a pagar seria de € 2.310,00 referentes à actividade do alojamento local de curta permanência.

Neste caso, tal equivale a uma taxa efectiva 19,25% sobre o rendimento gerado.

Se consideramos a taxa média do escalão equivalente ao do rendimento gerado pelo imóvel, dos tais € 12.000,00 em 2017, que (no intervalo de € 7.091,00 a 20.261,00) são os 23,6%, já teremos um imposto de apenas € 545,16.

Para o mesmo tipo de rendimento de € 12.000,00, mas referente a um contrato clássico de arrendamento, com menos de 5 anos, a proposta fiscal são 28% de taxa liberatória, ou seja um imposto de € 3.360,00; dos 5 aos 10 uma taxa de 25%, e um imposto de € 3.000,00; e dos 10 aos 20 anos a taxa de 14%, com imposto no valor de € 1.680,00, sendo que será de 10%, em contratos acima de 20 anos, onde o imposto a pagar serão € 1.200,00.

Do exposto se retira que, para quem aufira rendimentos apenas desse arrendamento, em nenhum caso é mais competitivo fiscalmente optar pelo arrendamento clássico, e, mesmo que por muitos anos e que mesmo para escalões mais elevados tal não é imediato.

Desta muito simplificada exposição resulta que, salvo melhor opinião, caso se pretenda resgatar imóveis ao “short term rental” para devolver à habitação clássica, esta proposta fiscal não chega e tem de ser muito mais arrojada e próxima do regime destes que é, como se alcança, muitíssimo mais generoso e, portanto, tendo em atenção que as escolhas económicas, ao contrário deste regime fiscal, são racionais.

 

Advogado na norma8advogados pf@norma8.pt. Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990