Hoje em dia “armazenar energia” tornou-se uma rotina nas nossas tarefas diárias. Temos de carregar o telemóvel todos os dias e o computador também. Até temos um “power bank”, que temos de manter carregado, para nos salvar daquela situação aflitiva de não ter uma tomada ali a jeito para carregar o telemóvel ou o computador. E claro temos ainda muitos outros dispositivos que utilizamos no nosso dia a dia e que também são carregados regularmente. Ou seja, qualquer um de nós traz uma ou duas bateriais no bolso ou na mala. Este pequeno dispositivo torna a nossa vida muito mais fácil, mais preenchida e aparentemente muito mais interessante. Afinal o que seria de muitos de nós se não tivéssemos o telemóvel sempre à mão para mandar mensagens, tirar umas fotos e partilhá-las rapidamente ou simplesmente passar o tempo nas redes sociais ou na net? Sempre que utilizamos uma aplicação gastamos um bocadinho de bateria e ao fim de algumas horas precisamos de recarregar. Ora isto gasta energia elétrica e cansa a bateria.
O comportamento actual da nossa sociedade, completamente dependente dos dispositivos portáteis, pode levantar uma questão complexa: o conseguir armazenar mais energia também nos leva a desperdiçar mais energia? Afinal quantos dos nossos gestos são completamente inúteis enquanto nos entretemos com o telemóvel, o nosso dispositivo portátil preferido? A questão de fundo é que todos esses gestos consomem energia. É verdade que é muito pouco, mas como existem biliões de dispositivos no mundo, este muito pouco transforma-se em muito. Mas esta não é a única questão: para saciarmos a nossa dependência carregamos e descarregamos a bateria inúmeras vezes. Tipicamente uma bateria de ião lítio dura um par de anos e depois temos de a substituir, o que é fácil: ou troca-se a bateria ou o dispositivo. Mas o que acontece a ambos, bateria e dispositivo? Bom isso já não parece ser um problema nosso; simplesmente não queremos saber mais do assunto. Mas é óbvio que isto é um ponto importante.
As baterias serão recicladas? Sim, podem ser, mas hoje em dia a reciclagem de baterias de ião lítio é irrelevante face ao número de baterias que são descontinuadas a partir de dispositivos portáteis. O processo é complexo e pouco rentável e a capacidade instalada não responde à proliferação de baterias e dispositivos descontinuados.
As baterias e dispositivos portáteis possuem uma segunda vida? Sim, mas eis que aqui começa também um lado negro de todo este processo. De facto ainda podem ser utilizados, sendo tipicamente despachados para países menos desenvolvidos, ou em África (o Gana é considerado a capital do “e-waste”) ou no Oriente, alimentando um mercado não regulado e de lucro fácil. Aí podem encontrar uma segunda vida ou simplesmente ser desmantelados com vista a retirar alguns componentes que podem render algum dinheiro. E depois são deixados em lixeiras a céu aberto, em aterros ou acabando a sua vida aqui e ali. Grande parte dos biliões dos dispositivos portáteis e respetivas baterias acabarão os seus dias arrastados por entre rios e mares…, algures, num país do dito terceiro mundo.
A poluição “e-waste” é um problema da sociedade moderna que nós simplesmente despachamos para o quintal de um país distante. Mas não podemos continuar assim e todos temos um papel importante na sua resolução. Uma das soluções passa, obviamente, pela poupança de energia armazenada numa bateria, usando-a apenas quando necessário e poupando o máximo possível. É uma questão de formação e mentalidade: poupa-se energia e evita-se o lixo eletrónico. E quando for necessário entregar um dispositivo portátil ou uma bateria, garantir que o mesmo é entregue num ponto de recolha de confiança com destino à reciclagem.
Mas existe uma outra via, a investigação e desenvolvimento, que são ferramentas fundamentais para ajudar a solucionar este problema. O desenvolvimento de novos materiais de elétrodo para baterias e supercondensadores, ambos utilizados em dispositivos portáteis, como smart phones, iPhones e muitos outros, pode fazer com que seja possível carregar e descarregar o dispositivo muito mais vezes. Poderemos aumentar entre duas a dez vezes o número de ciclos de carga / descarga, aumentando assim o tempo de vida da bateria e do dispositivo do qual ela faz parte. Deste modo conseguiremos reduzir a quantidade de baterias e dispositivos que são descontinuados, ajudando a solucionar um grave problema ambiental. Os investigadores do Técnico, em colaboração com outras escolas parceiras e ainda com o setor privado, estão a desenvolver novos materiais para elétrodos mais duráveis e eficientes, explorando todo o seu potencial químico e eletroquímico, de modo a aumentar substancialmente o número de cargas e descargas a que podem ser sujeitos. Podemos assim contribuir para a resolução de um problema complexo e ao mesmo tempo evidenciar o que no Técnico e em Portugal se faz de melhor: a nossa engenharia e investigação de excelência.
Professora do Departamento de Eng. Química do IST
Vice-presidente do Instituto Superior Técnico