Jean-Claude Arnault, agora com 72 anos, era o diretor artístico do Forum, um clube muito seleto fundado em 1989 e frequentado por editores, escritores, dramaturgos e músicos emergentes, mas também mulheres jovens. Em novembro do ano passado, o diário sueco “Dagens Nyheter” fez cair mais uma carta na elite cultural ao publicar os depoimentos anónimos de 18 mulheres que afirmavam ter sido vítimas de abuso sexual ou assédio por parte de Arnault, cujo comportamento era bem conhecido.
O caso é muito similar ao escândalo Weinstein, ocorrido em Hollywood, e deixou o Nobel da Literatura em suspenso. Uma investigação demonstrou que várias académicas, ou mulheres e filhas de académicos, também sofreram com a “intimidade não desejada” e comportamentos “inapropriados”.
Arnault gabava-se de ser o “19.o membro” da academia e era frequente anunciar o nome dos futuros vencedores a amigos. O fotógrafo mantinha ligações estreitas com o júri do Nobel da Literatura, sendo a mais evidente ser casado com a poetisa, dramaturga e ensaísta sueca Katarina Frostenson.
Várias denúncias foram arquivadas por falta de provas ou prescrição, mas a procuradoria-geral descobriu provas suficientes sobre um caso de 2011. A 5 de outubro, num apartamento em Estocolmo, Arnault abusou de uma jovem quando esta se encontrava em “estado de vulnerabilidade e de medo intenso”, o que a impediu de defender-se, afirma o documento de acusação, divulgado pela AFP. Os atos ter-se-iam repetido na madrugada de 2 para 3 de dezembro de 2011, no mesmo apartamento, quando a vítima dormia.
O caso expôs o funcionamento da academia – uma instituição privada e até agora inatacável, fundada em 1786 com base no modelo da Academia Francesa -, assim como os seus conflitos de interesses e jogos de influência. Durante séculos, o peso do Nobel silenciou as vítimas e inocentou o(s) réu(s).
A tempestade de Hollywood atingiu a seriedade europeia e só em 2019 voltará a haver Nobel da Literarura. Oito académicos renunciaram de forma definitiva ou temporária, incluindo a crítica literária, escritora e professora de Estética e de Literatura Sara Danius, secretária-geral da instituição desde 2015.
O julgamento arrancou em Estocolmo e, à chegada, Arnault, de rosto fechado, recusou-se a prestar declarações aos jornalistas. Perante o juiz, inocentou-se de todas as acusações. “Ele rejeita as acusações”, declarou o advogado, Björn Hurt. A vítima das duas violações, cuja identidade continua por revelar, não compareceu e fez-se representar por Elisabeth Massi Fritz, advogada sueca especializada na defesa de mulheres. “Estou satisfeita, não podemos sonhar com um depoimento melhor”, destacou no final da audiência.
Arnault incorre numa pena de dois a seis anos, mas a credibilidade da instituição e do prémio está ferida e levará muitos anos a ser reconstruída. A academia deve escolher em breve os novos membros, que decidirão os vencedores de 2018 e 2019. Até à revisão das regras, no início deste ano, pelo rei Carlos xvi Gustavo, os elementos da academia não podiam renunciar.
Nobel Alternativo
Desde 1943 que o Nobel da Literatura foi sempre entregue. Em reação ao adiamento para o próximo ano, a jornalista sueca Ann Pålsson fundou com intelectuais e académicos da literatura a Nova Academia, para entregar o Nobel alternativo a 12 de outubro – data em que seria anunciado o Nobel da Literatura. Haruki Murakami, Maryse Condé, Kim Thúy e Neil Gaiman foram os quatro finalistas escolhidos por voto popular através da internet. A Nova Academia foi criada “para garantir que um prémio literário internacional será atribuído em 2018, mas também como uma lembrança de que a literatura deve estar associada à democracia, abertura, empatia e respeito”, refere a organização no site.
Além do anúncio a 12 de outubro haverá uma grande cerimónia no dia 9 de dezembro. Após esse momento, a Nova Academia garante que irá dissolver-se. E o Nobel da Literatura voltará a ser atribuído. Se o crédito vitalício será o mesmo é outra questão.