Vista de 360º sobre Lisboa
O Iminente mudou-se. Depois de Oeiras, e da passagem por Londres, no ano passado, ocupando a The Old Truman Brewery, em Brick Lane, goza agora de uma vista de 360º sobre Lisboa. O Panorâmico de Monsanto reabriu há pouco mais de um ano como miradouro, isto depois de ter ficado ao abandono em 2001. Junto ao Parque da Serafina, Estrada da Bela Vista, no alto de Monsanto, o edifício construído em 1968, ensaia novas utilizações depois de ter sido restaurante, discoteca, sala de bingo, prédio de escritórios e armazém de materiais de construção. Após o trabalho de limpeza do entulho acumulado ao longo de 16 anos, a instalação de grades de segurança e o reforço de estruturas decadentes feito pela Câmara de Lisboa, foi a vez de Pedro Ferreira, designer do estúdio multidisciplinar Pedrita e colaborador do festival fazer pequenas intervenções de forma a harmonizar o espaço. Face às áreas que permanecem interditadas por motivos de segurança, foi preciso colocar paredes e portas de madeira, criando “circuitos dentro do edifício, e usámos algumas obras de arte e os palcos para quebrar o acesso. Um grande puzzle”, disse ao “Observador”.
Iminente como tubo de ensaio
Na apresentação do festival aos jornalistas, o presidente da Câmara, Fernando Medina, fez questão de sublinhar que o Iminente quer inserir-se respeitosamente na área florestal circundante. Para evitar a barafunda que se gera com o estacionamento, e com o intuito de preservar a área em torno do Panorâmico, não dá para chegar de carro à zona. Apenas de bicicleta ou a pé. De resto, o festival estabeleceu uma parceria com a Carris, e haverá dois circuitos de ligação ao festival, partindo um do Pólo Universitário da Ajuda e o outro de Sete Rios, com os autocarros a partirem com uma periodicidade de 15 a 25 minutos. E se o edifício já se tornou um hub das selfies, recebendo centenas de visitantes ao fim de semana, em busca do pano de fundo ideal para sacar uma torrente de likes, este festival mantém um cunho exclusivista, pois limita a lotação a 4500 pessoas por dia, com os bilhetes a custarem 10€. Finalmente, este festival coorganizado com o município, além da “atmosfera criativa multicultural” que pretende introduzir no parque florestal de Monsanto, serve também como um teste à potencialidade daquele espaço, como frisou Medina, e a ideia é que não apenas ali como em vários outros espaços da cidade surjam iniciativas com “este tipo de arrojo, de inovação”.
Vanguarda cultural e expansão
Com curadoria do artista visual Vhils (ou Alexandre Farto), da galeria Underdogs, das editoras Enchufada e Príncipe e da produtora Versus, o cartaz foi pensado como a “materialização de um movimento criativo que ao longo dos últimos anos adicionou contemporaneidade e criatividade à cena artística e musical portuguesa”. Mas antes de irmos às propostas e à programação propriamente dita, é sempre curioso analisar o marketing de um festival que promete “três dias de expressão e provocação artística com um cartaz que representa a vanguarda cultural dos que estão a expandir a sua arte em novas direções”. É certo que muita da arte que se enquadra a si mesma na vanguarda oferece cada vez mais o flanco, mostrando-se desfasada de um pensamento crítico que a distinga das manobras de promoção associadas às marcas de consumo. É difícil, no entanto, não tomar por saloice quando um evento nos convida “a desafiar, a questionar, a explorar…” E ainda nos chama para “celebrar a sua natureza explosiva, urbana, vital, efémera e inesperada”. Tudo isto lembra aquele estado de euforia auto celebratória que toma conta da cultura em períodos de decadência e perda de vitalidade.
Trocar os corvos por cegonhas
Na descrição que Vhils fez do Iminente, este vive de “uma reunião de todas as subculturas urbanas, de Lisboa e Londres” (depois da edição britânica que teve lugar em 2017, está prevista outra ainda este ano), e o próprio nome do evento reflete uma urgência em captar aquilo que está a “borbulhar” em diferentes artes artísticas, com concertos, exposições, dança e performance. Depois de, em 2015, ter aceitado de Cavaco Silva a condecoração de Cavaleiro da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada “em nome da geração mais qualificada de sempre que se vê forçada a emigrar por falta de oportunidades. A geração desprezada. A geração das famílias fragmentadas. A geração do talento desperdiçado, cuja educação, suportada pelo país, se vê agora investida noutros cantos do mundo”, aos 31 anos, Alexandre Farto mostra-se um consumado “entrepreneur” e um agente promotor dos valores turísticos da cidade. Assim, “o mais conhecido dos artistas portugueses que usam a rua como lugar de criação e exibição”, depois de ter conseguido o apoio do município para trazer o seu festival para dentro da cidade de Lisboa, exalta-a como “berço de uma criatividade enorme, em diálogo com muitas outras cidades”.
Intervenções e concertos
Nesta terceira edição do festival, este organiza-se em quatro áreas: Palco Principal (estrutura provisória para concertos), Palco Cave (onde surgem obras inéditas de Vhils e de João Louro), Primeiro Balcão (onde um DJ aparecerá de surpresa na sexta-feira) e o Panorâmico propriamente dito (com os pisos superiores a serem usados pela equipa e pelos artistas convidados, mas não pelo público). No que toca ao edifício e ao espaço envolvente, este conta com intervenções e propostas de artistas visuais como André Saraiva, Francisco Vidal, ±maismenos±, VSP Crew, Wasted Rita ou Ricardo Jacinto. No campo da música, ao longo da tarde e da noite, difícil será ao silêncio andar à larga, trazer a família para apreciar as intervenções artísticas, pois os concertos e sessões DJ irão ser mais do que muitas. Do cartaz musical fazem parte, entre muitos outros, os norte-americanos DJ Maseo, dos De La Soul, e o ‘rapper’ Havoc, metade dos Mobb Deep, o cantor angolano Bonga, o músico sírio Omar Suleyman e os portugueses Conan Osíris, Octa Push, Keso, Valete, Gisela João, Fogo Fogo, Norberto Lobo, Sara Tavares, Napoleão Mira, Carlão, Nídia, DJ Glue e Marta Ren & The Groovelvets.
Dinamização e reabilitação
Os bilhetes para sexta-feira e sábado estão esgotados. Resta domingo, e depois as edições de 2019 e 2020. Fernando Medina está confiante de que, depois deste festival, “muita coisa vai mudar na forma como olhamos para este espaço, para a potencialidade que tem e como um espaço com uma história tão mágica como sombria”. Com a nota de constante otimismo que o distingue, o autarca disse aos jornalistas estar seguro de que “depois deste festival vão aparecer muitas ideias de como este espaço pode ser utilizado. Não tenho dúvida que nas próximas semanas a minha mesa vai estar cheia de propostas e de ideias criativas para este espaço”. Medina adiantou que, depois da revitalização do Panorâmico, há um outro projeto na mira da autarquia: “Talvez o maior projeto em que estamos envolvidos neste momento é a recuperação de toda a área da Manutenção Militar, uma antiga fábrica que estava abandonada na zona oriental da cidade, e que será um espaço para empresas e artistas.” O autarca revelou também que recentemente visitou “galerias do Metro, que hoje não estão utilizadas, e são espaços que podem ganhar uma nova vida”.