Open House Lisboa: ler o futuro da cidade nas suas entranhas

Open House Lisboa: ler o futuro da cidade nas suas entranhas


Neste fim de semana, 84 espaços da capital (38 deles em estreia) abrem as portas ao público


Por esta altura, são tantas as Lisboas que  um evento como o Open House surge a cada ano como uma oportunidade de espreitar as entranhas da cidade, ir além da cartilha de pedra e cal ilustrada por sentenças populares, e perceber como os tempos novos vão sobrepondo camadas num quase segredo, por nos serem inacessíveis. São 84 os espaços públicos e privados que vão estar de portas abertas no próximo fim-de-semana (22 e 23 de setembro) e 38 destes estreiam-se na iniciativa organizada pela Trienal de Arquitectura de Lisboa.

Na sua sétima edição, além da entrada livre em locais habitualmente inacessíveis, o OH Lisboa traz uma importante novidade: a criação de nove percursos urbanos que terão como guias especialistas convidados, desde arquitectos a historiadores como Inês Lobo, Ana Vaz Milheiro e José Manuel Fernandes. E são eles Alvalade/Cidade Universitária; Avenidas Novas; Baixa/Chiado/Castelo; Beato/Marvila: Belém/Restelo; e Santos/Príncipe Real/Campo de Ourique.

Comissariada pelo arquitecto, crítico e professor Luís Santiago Baptista e pela arquitecta, professora e investigadora Maria Rita Pais, no guia de bolso coleccionável e gratuito – que pode ser levantado na sede da Trienal  (Campo de Santa Clara, 145), ou descarregado no site -, os responsáveis explicam que o propósito do evento é “pensar a cidade de hoje carregando connosco o conhecimento da história e os desenvolvimentos urbanísticos trazidos com a modernidade”.

Lisboa tem cada vez mais dificuldade em reconhecer-se naquele retrato que lhe fez José Cardoso Pires, a “cidade-nave, barca com ruas e jardins por dentro” onde até a brisa que corre nos sabe a sal. Em lugar dos “corvos santificados, mártires à maré e doutores heréticos a receitarem milagres”, é hoje a menina que veste meias de liga, causa arritmias às hordas de turistas e tem os seus dotes enumerados sempre que sobe à cabeça dos rankings das cidades mais atrativas e cosmopolitas. Na língua que antes falava “o seu povo de cais e fado a cavalo dum diabo complacente”, dir-se-ia que Lisboa anda um tanto emputecida.

Assim mesmo, não perdeu o seu charme, e o Open House propõe-se dar a conhecer os diferentes habitats da capital, agrupando-os por áreas, pelos percursos urbanos e pela escolha dos espaços, que vão desde casas no Restelo até à habitação colectiva Pantera Cor-de-Rosa em Chelas, da Garagem do Conde Barão até à Torre do Tombo, passando pelo Atelier Cecílio de Sousa. Conhecendo o interior de vários apartamentos e casas nas diferentes zonas da cidade, os visitantes tomam o pulso à forma como, ainda que o tempo se faça sentir e a modernidade se imponha, resistem certas elegâncias subtis, luz e bruma, as características que desenham linhas entre a volúpia de cada zona.

Outro poeta, mais jovem, há uma década, quando não passava de uma miragem a voracidade do actual apetite por esta cidade, dedicava-lhe uma belíssima ode que incluía estes versos: “Cedo vais voltar a ser uma menina/ e eu sei exactamente quantas são as formas que tenho para te amar./ A Avenida da Liberdade e a Mouzinho da Silveira são as pernas/ que usarias se, por acaso, te quisesses levantar. Então, o teu sexo/ há-de ficar entre o Intendente e a Rua de Santa Marta./ Um dia hei-de lá ir para te pôr a Colina do Castelo a tremer.”

O Open House é um conceito criado originalmente em 1992, por Victoria Thornton, em Londres, e Lisboa juntou–se a essa realeza urbana em 2012.Três anos depois, a iniciativa passaria a ser realizada em parceria entre a trienal e a EGEAC. Este fim-de-semana pode bem assinalar o zénite na ascensão da cidade que antes navegava, e fica aberto o convite para visitar os espaços em qualquer das três modalidades possíveis: a Visita por Voluntário, que dá a conhecer o espaço em detalhe; a Visita por Especialista, que é comentada pelo autor do projecto ou por um especialista convidado; e a Visita Livre, aquela em que fica por sua conta.