De entre a miríade de contradições que pontuam os nossos quotidianos ressaltam as oscilações em torno do funcionamento dos mercados, sem que o senso se sobreponha ao errático exercício de adotar critérios variáveis em função das realidades, dos interesses em presença ou das perspetivas ideológicas. Ou bem que se regula, com senso, ou deixamos que a desregulação e uma certa selvajaria definam o tom e o alcance das dinâmicas económicas e sociais. Encontrar esse senso de equilíbrio será a chave para que não existam ruturas, mais desequilíbrios e resultados que não são convenientes.
Depois de anos em que as respostas dos serviços públicos e comerciais estavam ao alcance dos cidadãos no tempo e no espaço, com uma forte intensidade de soluções, entrou-se numa deriva de regressão que não tem em conta o perfil da população, cada vez mais envelhecida, a deficiente oferta de mobilidade e a diversidade de situações territoriais. Depois de anos em que a oferta se aproximava da procura, agora, a procura tem de se contemporizar com as disponibilidades da oferta, cada vez mais digital e menos disposta no território. Esta circunstância impôs uma reorientação em muitas das ações do nosso quotidiano que não fazem nenhum sentido no nosso tempo, por falta de apuro das funções do Estado, por opções políticas concretizadas e por uma desregulação sem qualquer tipo de responsabilização dos operadores.
E a falta de senso reproduz-se muito além das calças de ganga e dos mocassins do primeiro-ministro à chegada a Luanda no início de uma visita destinada a repor as relações entre Estados. É senso e Realpolitik não invocar posições sobre a realidade do Estado angolano quando o que está em causa são valores maiores da relação entre Estados soberanos, numa renovada fase do exercício do poder. É sintomático que as posições de geometria variável de alguns partidos e personalidades não tenham tido eco no teor e na mensagem política da viagem oficial do governo português. É o mínimo, depois da falta de senso de uma investigação judicial em que a irresponsabilidade dos procuradores levou a colocar no topo do cronograma da investigação não os protagonistas políticos, mas a República Popular de Angola. O resultado diplomático e judicial do processo ficou à vista.
É falta de senso ou cegueira burocrática que a investigadora Maria Manuel Mota, vencedora do Prémio Pessoa em 2013, fique de fora dos 500 investigadores selecionados pela FCT para ter contrato de trabalho e para prosseguir a investigação que conduz, há mais de 20 anos, sobre o parasita da malária, porque os espécimes da avaliação não terão percebido “qual o impacto da investigação para a saúde humana”.
É falta de senso ou cobardia no exercício de funções permitir que taxistas em protesto se possam sitiar no coração das cidades como se, no exercício do direito de manifestação, as forças de segurança e os decisores políticos não tivessem de ter em conta outros valores. É que, no passado, também os empresários de diversões quiseram fazer este tipo de iniciativas e não lhes foi permitido o acampamento no coração da cidade de Lisboa. É a diferença entre o adequado distanciamento em relação aos interesses em presença e um certo aprisionamento em relação aos taxistas, pela sua relevância na formação da opinião pública, mais do que na qualidade do serviço prestado.
É falta de senso expandir a produção legislativa por nichos temáticos marginais ou simbólicos quando há realidades relevantes ao virar da esquina. Por exemplo, o Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses concluiu que 10,4% das 550 vítimas mortais de acidentes rodoviários ocorridos em 2017 acusaram a presença no sangue de drogas, as designadas substâncias psicotrópicas, e 23% dos 2484 intervenientes em acidentes rodoviários sujeitos a testes também acusaram a presença de algum tipo dessas substâncias. Não será matéria para ser equiparada ao consumo de álcool e para municiar as forças de segurança de condições de fiscalização?
Podem persistir, como sempre, narrativas orquestradas para sustentar todas as faltas de senso no exercício de funções ou no desenvolvimento de iniciativas, mas nada nem ninguém colocará em causa a necessidade de o bom senso estar presente, dentro e fora do território nacional. Não é por muitas das tradições já não serem o que foram que o laxismo, a ligeireza e a falta de senso devem ser centrais na sociedade portuguesa.
NOTAS FINAIS
Sensual. De quando em vez é sensual o exercício de tiro ao boneco. Por agora, com propriedade e aditivo do próprio, está na berra atirar ao exercício político atabalhoado de Rui Rio. O homem não dá uma para a caixa. Não há futuro que lhe possa dar razão. E isso faz toda a diferença.
Sensitivo. É do senso que um inquérito da Direção-Geral de Educação que faz uma pergunta sobre a origem dos pais misturando nacionalidade com origem étnico-racial (por exemplo, tem como opções de resposta português, cigano, africano ou brasileiro) só podia dar em polémica.
Sexy. O alarme social parece assumir cada vez mais uma inusitada relevância judicial, sublinhando que a justiça de venda tem cada vez mais os ouvidos bem abertos. Em muitas situações, com a impulsão das redes sociais e de populismos mediáticos, só pode dar disparate.
Escreve à quinta-feira