No início da reta final desta legislatura, a XIII, a que faltará grosso modo um ano, goste-se ou não, teremos de aceitar que, do ponto de vista da apreciação da eficácia deste governo (excluídos os efeitos das resoluções) no cumprimento das metas orçamentais e dos tratados europeus, são indiscutíveis e incontornáveis os seus resultados.
Com efeito, a conseguir-se no próximo exercício o prometido Orçamento de défice zero e passando, para já, ao lado da análise da receita do sucesso, não poderá deixar de dar-se o devido crédito à estratégia que o ministro das Finanças traçou e implementou e à forma como conseguiu que os outros partidos de apoio parlamentar se eclipsassem por praticamente quatro anos, permitindo, com nenhumas reformas e algumas reversões, que ainda assim conseguisse ter execuções orçamentais com números francamente positivos.
A estratégia de simular um desagravamento dos impostos progressivos sobre o rendimento aumentando a incidência, através de novos impostos e aumentando as taxas sobre os impostos ao consumo e o património, gerou sob a enganadora ideia do fim da austeridade (da direita) a manutenção do esforço fiscal e o aumento dos impostos que, curiosamente, e pese embora o discurso oficial, afinal ainda batem recordes de aumento de receita, contrariamente ao que o discurso vigente faria prever.
Não menos evidente e brutalmente eficaz – quando os habituais contestatários estão açaimados no banquete do poder e a oposição natural perdeu o rumo numa guerra intestina – foi a aplicação maciça e cega e, já agora, pouco séria, na perspectiva que a seguir abordaremos, das cativações orçamentais.
Temos, pois, que a absoluta falta de coincidência entre as verbas inscritas orçamentalmente para o funcionamento dos serviços e a sua efectiva utilização foi, no essencial – não entrando na dissecação do problema da substituição da dívida por dívida mais barata –, o ovo de Colombo dos bons resultados da execução orçamental.
Mais do que agora ir discutir sobre os efeitos óbvios, evidentes e incontornáveis que todos descobrimos e de que ouvimos falar todos os dias, com os hospitais à cabeça, a CP e, de uma maneira geral, os serviços (normalmente os mais caros) do Estado em situação de pré-ruptura, esta questão remete-nos para uma outra ideia.
Depois de anos de continuado bodo aos pobres e às clientelas dos partidos de apoio à solução governativa, agora abruptamente travado na carreira dos professores, o discurso mudou no sentido de já não serem comportáveis todos e quaisquer aumentos, mesmo que prometidos.
E a verdade é que, não entrando de forma alguma na discussão sobre a justiça ou injustiça dos professores e das suas carreiras retributivas – idealmente, todos os portugueses deveriam poder ser aumentados para patamares dignificantes das suas respectivas carreiras –, a verdade é que, numa altura qualquer, o Estado de um país pobre é chamado a ter de fazer escolhas.
Contrariamente à ideia generalizada da recessão austeritária e da vida além do défice, a verdade é que, com as contas controladas, a economia ainda vai crescendo (ainda que insuficientemente).
Não cremos, porém, que o aumento da carga fiscal tenha uma elasticidade infinita, como será de crer, como aliás já é sensível, que esta paz social resista à já aventada falta de meios e, por outro lado, parece também poder assumir-se (espera-se) que estaremos no limiar da tolerância relativamente ao desinvestimento e degradação de alguns dos serviços essenciais que o Estado presta. Uma das imagens disto mesmo será o facto, certamente não inocente, de o curso de Medicina ter perdido o costumado lugar cimeiro na escolha dos melhores alunos.
Destes factos que vimos desenvolvendo, a verdade é que é indissociável, parece, a necessidade da contenção das contas públicas (e a regressão da dívida pública que o BCE vai deixar de garantir, facto este que não teve a devida repercussão mediática) para não enfrentarmos novo desastre financeiro como o recente, e que, por outro lado, o peso instalado do funcionamento do Estado, com o seu orçamento de funcionamento, é, como está, incompatível com esta realidade de recursos limitados, sendo este expediente das cativações insustentável ad perpetuam.
O que significa, necessariamente, que ou atingimos níveis de crescimento muto superiores, e a actividade económica suportará a despesa do Estado e a sua dívida, ou, se tal não acontece, estes cortes a que temos assistido e que paralisam os serviços terão de ser definitivos e inevitáveis.
Ou então, o que é provável, à frente haverá escolhas a fazer sobre o modelo a implementar. Quando a manta é curta, numa altura qualquer vai ser preciso escolher tapar a cabeça ou os pés.
Esta discussão, depois do resgate e da saída do mesmo, era absolutamente estruturante do futuro de todos.
E a verdade é que, à entrada para o último ano desta legislatura, neste capítulo, tudo está ainda por fazer e nem o governo nem a oposição parecem preocupados com isso.
Advogado na norma8advogados
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Escreve à quinta-feira, sem adopção das regras do acordo ortográfico de 1990