Soon-Yi Previn. Em defesa de Woody Allen

Soon-Yi Previn. Em defesa de Woody Allen


Por mais de duas décadas, Soon-Yi Previn manteve-se em silêncio na disputa entre Mia Farrow e Woody Allen. Reacendida a polémica e com o realizador cada vez mais isolado – a Amazon engavetou o seu último filme, já terminado – deu à “New York Magazine” a sua primeira entrevista, em que lembra que tinha 21…


“O que aconteceu ao Woody é tão perturbador, tão injusto. [A Mia] aproveitou-se do movimento #MeToo e fez desfilar a Dylan como vítima. E toda uma nova geração está a ouvir isto, quando não devia.” Talvez por isso, talvez porque ao fim de meses de dúvida tenha chegado este verão a confirmação de que a Amazon engavetou mesmo “A Rainy Day in New York”, último filme do realizador, já terminado, com Timothée Chalamet, Elle Fanning, Jude Law e Rebecca Hall, Soon-Yi, filha de Mia Farrow que Woody Allen conheceu como enteada e com quem está casado há mais de 20 anos, tenha decidido agora contar a sua versão da história que assombrou a família pela primeira vez.

Agora que o reacender da polémica batalha entre o realizador e Mia Farrow, ao lado de Dylan, a filha dos dois, sobre os alegados abusos de que terá sido vítima por parte do pai, em 1992, deixaram no tempo do #MeToo Woody Allen isolado como nunca. Depois de também atrizes e atores terem vindo mostrar arrependimento por terem trabalhado com ele ao longo destes últimos 20 anos, paira a dúvida sobre se Woody Allen voltará a fazer um filme. “Ele é tão ingénuo, confia tanto, foi provavelmente plasticina nas mãos dela [Mia Farrow]. Parece-nos tão brilhante… mas depois, noutras coisas, é muito ingénuo, incrivelmente ingénuo […] A Mia estava muuuuito à frente da cabeça dele”, diz a até hoje mulher do realizador na entrevista em que se conhece pela primeira vez a sua versão da história, publicada no domingo pela “New York Magazine”.

No conjunto de conversas conduzidas ao longo de vários meses no apartamento de Soon-Yi e Woody Allen em Nova Iorque – conversas em que também o realizador intervém um par de vezes – por Daphne Merkin, que revela no artigo ser amiga de Allen há 40 anos, Soon-Yi recua ao tempo da sua infância, desde que fugiu de casa da mãe, “muito pobre”, aos cinco anos e foi parar a um orfanato depois ter sido encontrada pela polícia a vaguear pelas ruas de Seul, até à chegada de Mia Farrow, que a adotou, com o músico André Previn, aos sete anos. Da infância, recorda vários episódios de agressões por Mia Farrow que, segundo diz, lidava mal com as suas dificuldades de aprendizagem.

“Nunca falei sobre isso porque a Mia fazia-me sentir vergonha disso”, recorda. “Tem a ver com a ortografia, e tive que me esforçar muito mais na escola. Era empenhada e interessada, queria ter tido alguém que me ajudasse como a algumas crianças nos trabalhos de casa.” Além de contar que Mia Farrow entregava ao seu cuidado, quando tinha apenas 12 anos, todos os seus irmãos mais novos, que alegadamente deixava sozinhos em casa, Soon-Yi descreve episódios mais perturbadores: “A Mia costumava escrever palavras no meu braço […] e também me punha de cabeça para baixo, a segurar-me pelos pés, para o sangue descer para a minha cabeça. Porque achava – ou leu, só Deus sabe de onde veio essa ideia – que isso me tornaria mais inteligente ou algo do género.”

Da família Farrow, as reações não tardaram a chegar. Dylan Farrow, que ainda na onda do movimento #MeToo, deu no início do ano uma entrevista em que contou pela primeira vez em televisão a sua versão dos factos, reiterou que foi abusada pelo pai, Woody Allen, quando tinha 7 anos, acrescentando que a “New York Maganize” devia ter vergonha pela publicação de uma história que diz ouvir apenas um dos lados. “Graças à minha mãe, cresci num lar maravilhoso, cheio de amor, criado por ela”, escreveu no Twitter. “Tenho uma mensagem para os media e os aliados de Woody Allen: ninguém está a ‘fazer-me desfilar como vítima’ – continuo a ser uma mulher adulta a fazer uma afirmação credível inalterada ao longo de duas décadas.” Sobre as alegações de que terá sido manipulada contra Allen pela mãe, acrescentou: “Isso serve apenas para me revitimizar.”

A versão de Dylan Farrow é a que se conhece. Em resposta à explosão de reações no Twitter à longa entrevista com Soon-Yi, a publicação lembrou que se trata de um artigo sobre Soon-Yi Previn, que apresenta a sua perspetiva sobre o que aconteceu à família. “Acreditamos que merece ser ouvida. A relação de Daphne Merkin com o Woody Allen é revelada como parte da história, como a razão da Soon-Yi para falar agora.”

 

O início do caso com Woody Allen Para lá dos relatos de uma infância bem diferente daquela que descreve Dylan junto da mãe, Soon-Yi conta como, depois da separação de Farrow de Previn e da mudança para Nova Iorque, se deu a aproximação de Woody Allen, que conheceu aos 10 anos mas diz nunca ter visto como pai – nem mesmo como padrasto. “O Woody não estava interessado em conhecer-nos, às crianças. E o sentimento era mútuo; não estávamos interessados em conhecê-lo. Eu odiava-o porque estava com a minha mãe, e não compreendia como é que alguém poderia estar com uma pessoa tão perversa e má. Achava que ele só poderia ser igual.”

Foi por sugestão de Farrow que levasse Soon-Yi a acompanhá-lo aos jogos de basquetebol que começaram a aproximar-se, aos poucos. “Acho que aí ele percebeu que eu afinal era mais interessante e divertida do que ele achava que eu era. A Mia estava sempre a bater na ideia do fracasso que eu era.” Mais tarde, contou como numas férias da universidade Woody Allen lhe mostrou um filme de Bergman. “Acho que ‘O Sétimo Selo’, não tenho a certeza. Depois falámos sobre isso e devo ter deixado boa impressão porque ele beijou-me. Acho que foi aí que começou”, recorda na entrevista.

Sobre a forma como Mia Farrow soube da relação entre os dois, Soon-Yi diz que se arrepende das fotografias – um conjunto de Polaroids tiradas por Woody Allen em que aparecia nua. “Deve ter sido horrível para ela”, reconhece. “Mas éramos os dois adultos”, nota. Soon-Yi tinha nessa época 21 anos. Depois de descrever o período que se seguiu à descoberta das fotografias por Mia Farrow, Soon Yi recorda como foi através do comunicado em que Woody Allen assumiu a relação dos dois, depois das acusações de abusos sobre Dylan, que descobriu que ele a amava. E se Woody Allen nota como a relação entre os dois se tornou mais séria pela pressão das acusações de que foram alvo, Soon-Yi diz: “Não fui eu que fui atrás do Woody – como é que teria coragem? Foi ele. Foi por isso que a relação resultou: senti-me valorizada. Foi um grande elogio para mim.”

Sobre Mia Farrow, Soon-Yi diz estar-lhe “grata”, apesar de tudo o que aconteceu ao longo dos últimos 20 anos. “Quer dizer, seria uma pessoa terrível se não me sentisse grata a ela, certo?”