A oportunidade da digitalização nos transportes


Estima-se que, até 2030, o desenvolvimento tecnológico e empresarial acelere a transferência laboral, sobretudo nas funções de menor especialização, deixando para o recurso humano a complexidade maior e a capacidade de reflexão


A Europa está a atravessar uma transição digital que tem vindo a transformar os diferentes modelos de negócio utilizados nos vários setores, com forte incidência nos processos produtivos e nas relações com clientes. Mas esta evolução não se tem feito sentir da mesma forma em todos os países nem em todos os tipos de empresas, nem mesmo em todos os setores da economia. Os setores das comunicações, banca e serviços financeiros e equipamentos mecânicos e elétricos têm liderado a adoção de mudanças nos seus processos produtivos, largamente suportadas pela digitalização. Também as grandes empresas têm aproveitado melhor esta oportunidade do que as pequenas. A Inglaterra e a Holanda têm vindo a afirmar-se como exportadoras de serviços digitais. Vários estudos têm demonstrado correlação entre a intensidade de digitalização e o aumento de produtividade, com alterações de processos que revelam necessidade de aquisição de novas competências. Estes estudos convergem também em evidenciar que as diferenças na adoção destas tecnologias são mais vincadas entre setores industriais do que entre países.

Os transportes não são indiferentes a esta tendência, bem pelo contrário. Quatro vetores de penetração da digitalização no setor dos transportes são já muito evidentes: comunicações multilaterais; pagamentos e transações financeiras; automatização de análises; integração de cadeias modais (passageiros e mercadorias) e permanente seguimento (track and tracing); e, mais recentemente, robotização.

A ação conjunta destes vetores tem vindo a deslocar postos de trabalho que vão sendo substituídos por processos automatizados. Estima-se que, até 2030, o desenvolvimento tecnológico e empresarial acelere esta transferência laboral, sobretudo nas funções de menor especialização, deixando para o recurso humano a complexidade maior e a capacidade de reflexão. Tal como nas anteriores revoluções industriais, a evolução tecnológica é irreversível, mas a grande diferença com que nos confrontamos é que nenhuma outra revolução industrial confrontou as nossas sociedades com tão elevada velocidade de mudança.

O popular conceito de blockchain (cadeia de blocos) é um dos principais exemplos da disrupção e do salto quântico que pode vir a ser dado na eficiência dos processos de gestão e produção. Este conceito corresponde à introdução do funcionamento em rede de blocos encadeados de informação digitalizada cujo conteúdo pode ser uma transação financeira ou quaisquer outros dados. Não se trata de uma invenção científica guardada em laboratórios académicos: é uma funcionalidade real, já implementada em vários setores. Os governos da Holanda, Reino Unido, Dubai e Taipei já anunciaram que querem explorar introduzir e apoiar a utilização de blockchains em várias áreas, nomeadamente nos transportes e no apoio ao desenvolvimento das cidades inteligentes. Tem como reconhecido benefício tratar-se de um protocolo de confiança e de elevada transparência e rastreabilidade que beneficiará a eficiência e eficácia de contratos e transações, assegurando níveis adequados de privacidade.

Subjacente a estes desafios tecnológicos está um elemento crucial: partilha de dados por oposição à tradicional propriedade de dados, que tem servido de barreira à inovação nos transportes. Muito é ainda necessário fazer para que este setor beneficie desta oportunidade tecnológica, nomeadamente: adotar linguagem e sintaxe comum entre operadores e prestadores de serviços de mobilidade; assegurar interoperabilidade na informação sobre escolhas de modos e serviços de transporte e escolhas de rotas, para garantir a oferta de soluções intermodais.

Mas, podendo parecer que é aos operadores que cabe a responsabilidade de se ajustarem aos desafios de mudança desta revolução industrial, é de facto às autoridades que cabe dar os primeiros passos: às autoridades de transportes cabe implementar políticas de partilha de dados e códigos de conduta que regulem a utilização e disponibilização de dados; às autoridades de ciência e educação, as reformas necessárias para não criarmos profissionais e decisores que concorrem com a eficiência das máquinas, mas sim que são capazes de desenvolver pensamento e soluções utilizando a eficiência e inteligência oferecida pela automatização.

 

Professora do Instituto Superior Técnico