18 de setembro de 1964. Não atirem flores à criança com uma cauda de seis metros!

18 de setembro de 1964. Não atirem flores à criança com uma cauda de seis metros!


Atenas estava em festa para o casamento de Constantino ii com Ana Maria da Dinamarca. A polícia, atenta nas ruas; o tio, amuado por causa de uma russa; as cabeças coroadas do mundo e a ilha do milionário Niarchos, convidado especial


Nos anos 50 e 60, a vida de reis e rainhas, príncipes e princesas e até um ou outro duque era muito apreciada pelos portugueses. Havia mesmo quem desse uma escapadinha ao Estoril na esperança de vislumbrar as figurinhas representativas de monarquias caídas, como as de Espanha, Roménia, Itália ou Bulgária. Eram assim como uma espécie de revista cor-de-rosa ao vivo, com janelas para a Marginal e para a baía de Cascais. Por isso, não estranhem que no dia 18 de setembro de 1964, as páginas da imprensa portuguesa se tenham enchido com a notícia da boda entre Constantino ii da Grécia e Ana Maria da Dinamarca. Foi de estadão!

Em Atenas, berço da república, o povo espalhou-se pelas ruas, sobre as quais brilhava o céu mais azul da Ática. Trinta mil pessoas mantiveram-se toda a noite nos passeios para não perderem pitada do cortejo logo na primeira fila. O Partenon estalava de sol.

A tropa precaveu-se: instalou-se ao comprido, em fileiras defensivas e impeditivas que algum mamífero mais excitado saltasse para a frente do real casal na altura do esplendoroso desfile. Ainda por cima se o putativo mamífero fizesse parte do género humano.

Constantino, esse, contava publicamente como nascera a paixão entre os noivos: “Foi há muito tempo! Eu tinha 14 anos, e ela dez. Conhecemo-nos no Palácio de Amelienborg, onde passávamos férias juntos.”

Não vale a pena abrir bocas de espanto: desde os Habsburgos que a realeza europeia se cruzava para preservar uma raça única. Constantino e Ana Maria eram primos em segundo grau. Tornaram-se amigos inseparáveis. Ela tratava-o por Tino (diminutivo nada majestático, convenhamos) e ele tratava-a por Pam. Pareciam personagens de um conto de Hans Christian Andersen. Não havia quem não os achasse feitos um para o outro. Ambos resplandeciam naquela manhã alegre, na Praça da Constituição.

Na véspera, a polícia fora de casa em casa avisar os habitantes dos edifícios mais próximo que estavam absolutamente proibidos de lançarem objetos sobre o préstito. Nem sequer pétalas de flores! Arriscavam sarilhos e até umas horas num catre qualquer.

 

Amuos

Toda a cabeça coroada desaguou em Atenas. Desde o duque de Edimburgo à princesa das Astúrias (irmã de Constantino); de Helena da Roménia ao rei Hussein da Jordânia; de Balduíno e Fabíola da Bélgica aos príncipes do Mónaco, Rainier e Grace; da rainha Sirikit do Sião ao rei Gustavo Adolfo da Suécia (avô da noiva); dos grão-duques do Liechten-stein à rainha Juliana da Holanda e à princesa Ana do Reino Unido. As más línguas comentavam a ausência do príncipe Pedro da Grécia, tio de Constantino, logo abaixo do sobrinho na hierarquia da sucessão ao trono. Estava amuado por a sua mulher Irene não ter sido convidada. Vá lá saber-se se com razão ou sem ela. O facto é que quebrara as regras da nobreza que mandam que não se façam casamentos abaixo da condição. A família real grega não gostava da russa Irene. Talvez agoniada com a possibilidade de ela poder vir um dia a ser rainha.

Por seu lado, o riquíssimo armador Stavros Niarchos não precisava de ter patina: era o dono da formidanda ilha de Spetsapoula, ao largo do Peloponeso, para leste, e pusera-a à disposição dos noivos para que lá passassem a lua-de- -mel. Ao largo estaria o seu imponente iate, o Criole, para o caso de querem fazer uns cruzeiros. Não admira que tenha tido assento no restritíssimo jantar de apenas 80 convidados que se seguiu às cerimónias.

Porque Spetsapoula era uma atração irresistível para quem a ela tinha acesso: por todo o lado, flores exóticas vindas dos mais recônditos cantos do mundo, praticamente inabitada, com florestas cerradas por onde desfilavam veados, praias de areia branca especialmente protegidas dos tubarões. Ah! Esse Niarchos sabia o que era bom…

Ana Maria era uma menina dos papás. E, ainda por cima, adorada pelos dinamarqueses em geral, que apreciavam sobremaneira os seus modos delicados e a sua elegância profundamente feminina. Já Constantino, que percebera não ser o preferido dos futuros sogros no acesso à mão da prima, chegou a lamentar-se: “Bem sei que na Dinamarca não existe grande entusiasmo em relação ao nosso casamento. Devem pensar que, vindo para a Grécia, Ana Maria vai viver entre bárbaros e gente sem educação. Estão muito enganados: ela vai amar a sua nova terra!”

A Grécia não era certamente um país de selvagens, mas já fora protagonista de mais revoluções e golpes de Estado nos 60 anos anteriores do que qualquer outro país do mundo, o que não era cativante cartão-de-visita. Havia uma pobreza visível e uma guerra civil indireta, em Chipre. E Ana Maria, a nova rainha, completara 18 anos há apenas 18 dias. Uma criança…

Uma criança com uma cauda de seis metros, salvo seja, que as damas de honor se atarefavam em manter estendida ao mesmo tempo que 80 crianças cantavam um salmo solene por entre milhares de gladíolos e o bispo Chrysóstomos a entregava ao marido pronunciando os ritos ortodoxos na velha basílica metropolitana da Anunciação…