Helder Sandro Lins, 46 anos, chegou a Portugal em março deste ano vindo de São Paulo. Não veio sozinho: trouxe consigo a mulher, Sueli, de 36 anos, e os dois filhos, de dois e 14 anos.
“Viemos na esperança de as coisas darem certo para nós aqui. Viemos com a intenção de ficar, mas as coisas não andaram do jeito que a gente imaginava no nosso planejamento”, conta Helder ao i. A história deste imigrante brasileiro assemelha-se à de tantos outros: ainda no Brasil, fez “contacto com uma pessoa em Portugal” que lhe prometeu trabalho e condições aliciantes. Mas quando chegou a Setúbal, a realidade pouco correspondia ao que lhe fora prometido. “Fui enganado. A pessoa não cumpriu com o combinado e não consegui contrato. No final, acabei sendo meio escravizado aqui. Vim para trabalhar como barbeiro numa barbearia, mas tenho três profissões: sou também eletricista e técnico eletrónico”, diz ao i.
Não foi só nesse capítulo, contudo, que a família encontrou obstáculos. Não conseguiram vaga para a filha no infantário, o que obrigou a mãe, Sueli, a ficar em casa, impedindo-a de trabalhar. Helder procurou trabalho noutras localidades, tendo mesmo ido “até Mafra”, mas não conseguiu nada que lhe garantisse estabilidade e suprisse as necessidades da família.
Perante as dificuldades, e com um ordenado que não chegava para pagar a renda, “muito alta”, “nem para pôr comida dentro de casa”, Helder e a mulher tomaram a decisão de regressar ao Brasil. Mas sem dinheiro nem mesmo para o básico, a família não tinha qualquer possibilidade de regressar pagando as viagens do seu bolso. Por isso, procurou a ajuda do Projeto Árvore – Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração da Organização Internacional de Migração (OIM) para voltar para o Brasil.
Quando falou com o i, na última terça-feira, Helder estava a preparar-se para a viagem de regresso a São Paulo, marcada para o dia seguinte. E tal como quando chegou a Portugal, estava prestes a começar um novo capítulo. “Vou ter de correr atrás, começar do zero de novo. Mas a vida continua, não é?”
Ajuda para regressar a casa
Há muito que Portugal é um destino predileto de brasileiros que emigram à procura de uma vida melhor. O mais recente “Relatório de Imigração, Fronteira e Asilo”, publicado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e relativo a 2017, mostra que residem no país 85 426 cidadãos brasileiros – “a principal comunidade estrangeira residente”, lê-se. De acordo com o mesmo documento, em 2017, a comunidade de brasileiros a viver em Portugal “aumentou 5,1% em relação a 2016”, tendo invertido a tendência de diminuição que vinha a verificar-se desde 2011.
Contudo, quando aqui chegam e se estabelecem, muitos brasileiros enfrentam dificuldades que acabam por não conseguir contornar e que os levam a querer regressar ao Brasil, onde pelo menos têm a rede familiar. “O desemprego ou uma situação laboral muito precária, dificuldades em regularizar a situação documental em Portugal e dificuldades económicas” são os principais motivos na base dessa vontade, como explica ao i Luís Carrasquinho, e são o ponto focal do Projeto Árvore – Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração da OIM.
Helder e a sua família são apenas um dos casos de cidadãos brasileiros que recorreram ao Projeto Árvore da OIM para poderem regressar. Segundo dados avançados ao i pela entidade, desde janeiro de 2018, 269 cidadãos brasileiros já regressaram ao Brasil com o apoio do programa. Em 2017 regressaram 232, mais do que em 2016, quando regressaram 52 cidadãos brasileiros, e do que em 2015, ano em que 195 pessoas quiseram voltar.
De momento, cerca de 100 cidadãos brasileiros estão a aguardar resposta no âmbito do Programa, mas este é um número que “está em constante atualização” até porque, como explica o responsável ao i, “temos sempre pessoas a regressar, pessoas que desistem, etc.”. A maioria – 23% – são oriundos do estado de Minas Gerais, seguindo-se São Paulo (22%), Goiás (12%), Espírito Santo (9%) e Rio de Janeiro (8%).
Um programa para todos
Mas o programa não se destina apenas a ajudar os cidadãos brasileiros em situação vulnerável a voltarem ao seu país. Luís Carrasquinho esclarece que “o programa está aberto à participação de todos os nacionais de países terceiros”, à exceção de “cidadãos que sejam nacionais de países da EU e/ou que sejam familiares diretos de cidadãos da EU”, bem como de cidadãos que tenham “beneficiado do programa anteriormente”. Nos casos em que existam “processos legais pendentes referentes a essa pessoa”, podem colocar-se “limitações”. Fora isso, os cidadãos que procuram a ajuda do programa têm apenas de “aceitar as [suas] condições”.
Neste momento, além dos 100 cidadãos brasileiros, existem perto de 30 pessoas à espera de resposta do programa. Atrás da nacionalidade brasileira, os cidadãos que mais procuram este apoio são de origem cabo-verdiana, angolana, guineense, santomense, ucraniana e moldava.
Mas como funciona o processo? Luís Carrasquinho esclarece: “Depois de um primeiro contacto em que apresentamos (nós diretamente ou parceiros da rede de informação e aconselhamento) a opção de retorno voluntário assistido, o programa e as condições do mesmo, é agendada uma entrevista para registar o migrante no programa. São recolhidos dados biográficos – sobre o perfil migratório, necessidades após o regresso, etc. – e o processo é analisado por nós e pelo SEF.” Cumprindo o imigrante os critérios do programa, é depois agendada a viagem “sempre de comum acordo com a pessoa”. E, no dia da viagem, a OIM está presente para “assistir todos os beneficiários no aeroporto”.
Mas o programa pode também ajudar à reintegração da pessoa no país de origem. Como o responsável refere, “nesses casos, a situação é analisada também em função do que a pessoa pretende fazer, da sua capacidade de empreender o que se propõe fazer e se é ou não exequível dentro das condições que podemos oferecer. Os casos elegíveis podem receber um apoio até 2 mil euros e há um período de acompanhamento por parte da OIM e parceiros até seis meses”.