Tenho para mim que vigora uma análise infantilizadora do crescimento da extrema-direita na Europa que desvaloriza a ameaça e a necessidade de a combater urgentemente no seu terreno. Parece-me difícil acreditar que, mesmo nos países em que as forças de extrema-direita têm perdido atos eleitorais contra as forças do sistema neoliberal, isso não signifique mais do que um adiamento que vai engordando o monstro. São poucos os motivos que levam a sua massa eleitoral a decrescer.
É preciso entender que o voto nos partidos de extrema-direita é, maioritariamente, uma reação popular anticapitalista, ainda que as forças que lhe dão corpo não devam ser consideradas como tal. O governo húngaro vocifera contra o capitalismo da União Europeia, mas distribui fundos europeus e do Estado por um conjunto reduzido de oligarcas que fazem parte do seu projeto político de acumulação de poder e capital.
A extrema-direita dá respostas fáceis para os problemas criados pelo neoliberalismo. O desemprego é culpa dos estrangeiros. Não há casas pois deram–nas aos refugiados. A austeridade resulta de políticos corruptos. Ao mesmo tempo cavalga mitos criados pela agenda neoliberal tais como a “crise dos refugiados”, a insegurança ou a Europa como território de civilização superior. O ressurgimento do fascismo está firmemente enraizado nas condições criadas pelo neoliberalismo e é-lhe favorável, pois cria a ilusão de que a sociedade neoliberal é uma escolha antagónica de paz, desenvolvimento e estabilidade.
Identificada a dependência entre os dois projetos políticos, é preciso perceber que o remédio não virá do que os engorda. A este propósito é interessante lembrar que, nos EUA, as sondagens revelavam que Sanders, alegadamente da esquerda radical, era o único que batia Trump nas projeções para a segunda volta. Importa perceber que os projetos progressistas devem, sem pudor, assumir a radicalização das respostas a dar aos problemas que todos identificamos. É no mesmo terreno que se disputa o futuro. Casa a casa, pessoa a pessoa. Deixar de se produzir discurso neste território ou moderá-lo, permitindo que se dilua no do neoliberalismo, é menosprezar a sua expressão anticapitalista e abdicar de construir o potencial transformador que construa uma sociedade de paz, solidária e democrática.