AEK. A maldição da águia negra que fez abanar a Torre dos Clérigos

AEK. A maldição da águia negra que fez abanar a Torre dos Clérigos


Em 1978, o FC Porto, campeão nacional, caiu com estrondo em Atenas (1-6) perante o AEK, esta época adversário do Benfica. Um resultado chocante até porque os portistas não tardaram a mostrar que tudo poderia ter sido bem diferente


Puskás, o formidando Puskás, nunca terá sentido, ao longo da sua carreira, que havia obstáculos impossíveis. Mas quando o seu AEK de Atenas bateu o campeão português FC Porto por 6-1 na primeira mão da primeira eliminatória da Taça dos Campeões Europeus da época de 1978/79, deve ter imaginado que poderia repetir a proeza que cometera ao tempo de treinador do Panathinaikos: regressar à final da maior competição continental de clubes.

De facto, ninguém teria imaginado que tal resultado seria possível. No ano anterior, os portistas tinham arrancado uma bela campanha internacional na Taça das Taças, deixando pelo caminho o Colónia e o Manchester United e só tombando face ao fortíssimo Anderlecht. Como não encarar o confronto frente aos gregos com otimismo e com consciência de um inequívoco favoritismo? Ah! Mas os deuses do futebol não estão nem para aí virados. De súbito, sobe-lhes a mostarda ao nariz e viram do avesso as realidades. Ou a forma como nós, simples humanos, as entendemos e as explicamos a nós próprios.

No dia 13 de setembro de 1978, no Estádio Spiridon Louis, mais de 30 mil espetadores assistiram num ambiente de festa indescritível a uma das derrotas mais inesperadas e dolorosas da história do futebol português. No final dos 90 minutos, o guarda-redes Fonseca havia de queixar-se: “Ainda não tinha tocado na bola e já tinha sofrido três golos…” Sofreu mais três.

Olhava-se para o onze que José Maria Pedroto fizera entrar em campo e dizia–se à boca cheia que não era equipa para levar seis de ninguém, nem mesmo do fascinante Liverpool, que então dominava a Taça dos campeões: Fonseca; Gabriel, Simões, Freitas e Vieirinha; Teixeira, Marco Aurélio e Frasco; Duda, Gomes e Oliveira. Às malvas o que se dizia à boca cheia. Num instante, a defesa portista viu-se completamente aos papéis. Os primeiros 20 minutos do AEK foram jogados a uma velocidade estonteante, impondo ao adversário uma desenvoltura ofensiva que lhe valeu três golos: Bajevic (4’), Ardizoglou (17’) e de novo Bajevic (20’). O futebol habitualmente rendilhado, de pé para pé, do qual o treinador portista tanto gostava não conseguia surgir sobre a relva, como se os portugueses tivessem sido vítimas da maldição da águia negra que brilha no escudo Athlitiki Enosis Konstantinoupoleos, de seu nome completo. Apenas António Oliveira ia escondendo, aqui, as terríveis deficiências de um conjunto impreparado para suportar tamanho vendaval.

 

Inferno

Mergulhados num autêntico inferno, os defesas do FC Porto desorientavam-se a cada instante, pareciam chocar uns contra os outros, davam a sensação de que poderiam sujeitar-se a uma humilhação sem precedentes. O primeiro golo, tão precoce, animava a linha avançada grega e Mavros assumia um papel imperial muito pouco condizente com a sua autêntica categoria.

O mundo desabara com todo o seu peso incalculável sobre os ombros dos portistas. E agora? Como recuperar o orgulho devastado a golpes de catana e recuperar a vontade de não cair no poço fundo de uma goleada tão cruel? Não havia quem tivesse respostas. Nem no onze nem no banco. Tudo era demasiado estranho e inesperado.

Na véspera, uma chuvada das que só Deus dá tombara dos céus sobre Atenas. A relva, encharcada, parecia transformar-se num pântano para os portistas ao mesmo tempo que os gregos voavam como se deslizassem sobre patins. O intervalo talvez trouxesse alguma acalmia a todo aquele ambiente frenético e quase enlouquecido. O campeão português precisava urgentemente de encher os pulmões, renovar o sangue, fazer fluir as ideias. Só que, aos 39 minutos, Tasos Konstantinou fez o quarto golo do AEK. O desalento lusitano era de tal ordem que tudo o que de mau poderia acontecer efetivamente acontecia. Os jogadores abriam os braços na direção uns dos outros. A pergunta pairava na noite fantasmagórica: “Que fazer?”

A segunda parte iniciou-se com um laivo azul de esperança. Cinco minutos após o reinício, António Oliveira (quem senão ele?) reduz para 1-4. Talvez ainda houvesse a possibilidade de salvar a eliminatória, já que o jogo se mostrava irremediavelmente perdido.

Nem os sonhos duraram…

Nove minutos depois, na sequência de um canto, Lakis Nicolaou repõe a diferença no marcador. Mais uma vez, a defesa azul-e-branca confunde-se em erros primitivos. Sessenta segundos mais tarde, Mavros, o rei da noite, faz o 6-1. Falta ainda tanto tempo. Haverá um fundo ainda mais fundo para onde o FC Porto possa deslizar? Há, mas o destino contentou-se com o drama infligido aos portugueses. As oportunidades surgiram, mais golos é que não.

Na segunda mão provou-se que a reviravolta podia ter acontecido. Só que, nas Antas, a equipa de José Maria Pedroto demorou demais a acreditar. Tão demais que recolheu às cabinas, no intervalo, a perder por 0-1, golo de Bajevic. Depois… depois foi o diabo. Vital, aos 63 minutos, empatou. A 11 minutos do final, Adelino Teixeira vira o resultado. Subitamente, os gregos entram em pânico e demonstram as suas iniludíveis fraquezas. Mais dois golos, de Vital (83’) e Gomes (89’) alegram os adeptos, mas são curtos.

O treinador portista, como era seu hábito, atirou-se ao árbitro, o inglês Carver.